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24/10/2018

A EDUCAÇÃO BRASILEIRA E OS OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL - PARTE 2: BREVES COMENTÁRIOS PARA SUSCITAR DISCUSSÕES E REFLEXÕES

Esclarecimentos necessários - O artigo a seguir foi dividido em duas partes: na primeira (publicada na última edição do Jornal APASE - mês de setembro), trouxe apontamentos/resumo do artigo A Educação Brasileira e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, de Claudia Costin, do livro “Brasil: o futuro que queremos”, sob coordenação de Jaime Pinsky, em que a autora discute o objetivo 4 da ONU – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) que inclui a educação.

Na segunda parte, a seguir, discuto como tais objetivos se encontram no contexto da educação brasileira, com ênfase na educação paulista. Espero, assim, contribuir para uma reflexão importante aos educadores. Maria Ângela P. R. Innocente

Parte 2: Breves comentários para suscitar discussões e reflexões

O Brasil é um país extremamente desigual, o que ocorre também na educação. Como garantir uma educação de qualidade para milhares de crianças e de jovens que ingressarão ou já estão no mercado de trabalho?

A qual qualidade nos referimos? Atender a avaliações externas e currículos nacionais ou subnacionais que serão “cobrados” em tais avaliações? Inserir no mercado de trabalho, o que, em última análise, garante o sustento? Qualidade social, ou seja, interferir no tecido societário e alterar o status quo?

O ODS 4 da ONU discutida no artigo de Claudia Costin, que apresentei na parte 1 desse texto, sobre o futuro da educação que queremos para o Brasil apresentam dados relevantes sobre a situação da educação no Brasil, propondo também um Plano de Ação para atingir diversos objetivos, o que pretendemos discutir/questionar a seguir, com foco principalmente no estado de São Paulo, onde construímos nossa carreira na educação.

Quanto aos resultados do PISA, aplicado a cada dois anos a alunos de 15 anos, ressalte-se a defasagem idade-série que ocorre em grande número no Brasil; quanto ao posicionamento do Brasil em relação ao PIB (9ª economia mundial) reforce-se a necessidade de investimento na educação em relação ao PIB precisar ser aumentada, pois não podemos comparar a estrutura educacional brasileira com países que, além de PIB elevado e altas taxas de investimento em educação há décadas, tem menor número de crianças e jovens em sua população. Ou seja, sem investimento consistente e por longo tempo em educação, além de tornar a educação uma prioridade de Estado, não haverá melhoria.

Sobre a correção de fluxo idade/série já houve em torno dos anos 2000, na rede pública paulista1 , em que se desenhou material específico com as habilidade/competências básicas para a continuidade dos estudos, porém não se pode garantir que a aprendizagem foi efetiva.

Quanto às avaliações externas, só fazem sentido se os dados coletados servirem para discutir com os envolvidos no processo o que levou aos mesmos. Somente mensuração, ou seja, obter dados para bonificações por resultados, não melhorarão a educação. Tais avaliações de políticas públicas precisam ser discutidas com os profissionais da educação e a comunidade escolar, considerando também o meio em que foram produzidas. Não é coincidência que comunidades com maiores problemas sociais obtenham piores resultados.

Além disso, corre-se o risco de que se trabalhe em função da obtenção de resultados, treinando os alunos em função do que será cobrado em tais avaliações, desconsiderando a qualidade da educação com sentido de qualidade social, ou seja, dos fins e objetivos de uma educação para a emancipação.

Se objetivarmos também apenas a inclusão no mundo do trabalho corre-se o risco de ocorrer o que discute Habermmas (Escola de Frankfurt): “o mundo do trabalho está colonizando o mundo da vida”.

Não podemos promover uma inclusão excludente. Aqueles que, por séculos, ficaram afastados da escola, para facilitar a dominação das elites, não podem ser excluídos, não agora pela falta de acesso, que até existe, mas pela qualidade da educação que lhes é oferecida.

Quanto a buscar suporte em pesquisas internacionais sobre educação, há que se criticizar os dados para a realidade brasileira. Nem tudo que deu certo em outros países será bem sucedido aqui, uma vez que as realidades são muito díspares.

Há aspectos que realmente são necessários, como pensar a formação docente para a realidade da sala de aula, para o aluno real, uma formação que promova, como reporta Terezinha Rios, “competência técnica, política, ética e estética”. Saber fazer e fazer bem, comprometendo-se com a aprendizagem do estudante. Além disso, melhorar a infraestrutura, com internet de alta velocidade, por exemplo, carreira docente atrativa, limitar a contratação de temporários, formação continuada adequada para os profissionais da educação de forma que atenda às reais necessidades, políticas de cuidados com a primeira infância, tempo extraclasse adequado ao estudo e ao preparo de material, jornada única para fixar o docente numa única escola e promover o trabalho coletivo, escolas de turno único (sem criar ilhas de excelências em detrimento de outras), investimento de porcentagem suficiente do PIB em educação, tornar a educação um programa de Estado (não de governo, partido ou secretário no poder), de forma a que as políticas educacionais tenham continuidade, sendo avaliadas constantemente e corrigidos os rumos.

Precisamos de um real pacto pela educação, formando cidadãos que saibam pensar, contudo, como alerta Pedro Demo, não para “pensar servilmente”.

Esse é o desafio do objetivo 4 dos ODS, para nossa reflexão e atuação.

1 Estudar pra valer, aprender pra valer. Da 6ª para a 8ª série. Muitos alunos nem entendiam porque estavam em determinadas turmas.

Maria Ângela P. R. Innocente - Supervisora de Ensino aposentada. Mestre em Educação. Docente e conteudista no Ensino Superior. Consultora Educacional.


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