O ADEUS DE VERISSIMO
Fabrício Carpinejar
Antes de Luis Fernando Verissimo, a crônica se centrava na primeira pessoa, no tom confessional, nas nuances biográficas, envolvido no gênero do “eu”.
Depois dele, nada mais foi igual. Surgiram os tipos universais: o amigo, a vizinha, o professor, o policial, o viajante. Virou o território ficcional da terceira pessoa, capaz de retratar qualquer um, inclusive secretamente o próprio Verissimo.
Verissimo é inimitável, o maior cronista brasileiro pós-Rubem Braga, com cerca de 80 obras e mais de 5 milhões de exemplares vendidos.
Começou com o horóscopo e o copidesque no jornal Zero Hora, em 1966, e arrebatou colunas nas principais publicações do país, como Veja, O Estado de S.Paulo e O Globo.
Com sua fama estrondosa, o mítico Erico Verissimo passou a ser lembrado por ter sido o pai de Luis Fernando.
Em poucas linhas, ele desvendava dilemas comportamentais. Escrevia como quem desenhava: rápido, certeiro, irônico. O poder de síntese se aproximava de uma epifania.
Quem nunca se sentiu parte da Família Brasil, seus esquetes humorísticos satirizando a classe média nos anos 70 e 80?
Quem não se politizou com as tirinhas das Cobras, protagonizadas por animais rastejantes que conversavam entre si sobre os destinos do país?
Quem não se compadeceu da Velhinha de Taubaté, que foi concebida durante a ditadura militar e ficou famosa por ser “a última no Brasil que ainda acreditava no governo”?
Quem não riu com o Analista de Bagé, mais ortodoxo que pomada Minancora, um psicanalista freudiano que resolvia mimimi com o joelhaço?
Quem não viu alguma tia representada na Dorinha e seu cortejo de socialites, buscando a eterna juventude por incansáveis intervenções estéticas?
Quem não desistiu de recorrer à espionagem acompanhando as peripécias de Ed Mort, um detetive particular pobre e trapalhão?
Quem não se valeu dos exemplos das Comédias da Vida Privada para não levar a sério os desentendimentos de casal?
Os dados oficiais professam que Verissimo faleceu aos 88 anos, neste sábado (30), em Porto Alegre. Mas ele não morreu. É impossível que morra.
Se Luis Fernando nos fez esquecer que a morte existe, que ela seja educada e faça o mesmo.
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