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04/07/2018

POLÍTICAS PÚBLICAS, EDUCAÇÃO E DEMOCRACIA


Por Maria Ângela Paié Rodella Innocente

No cenário atual a sociedade não tem uma ampla organização autônoma, numa estruturação de mercado pós-fordista, fundada em sua ideologia, o neoliberalismo . O domínio do mercado sobre o Estado traz o enfraquecimento das instituições e da cultura da solidariedade. “A desigualdade social e a injustiça na distribuição da renda chegam a indignar por suas dimensões” (SAVIANI, 1997, p. 218). A lógica que preside as políticas sociais subordina-as aos ditames da política econômica, numa relação custo-benefício. Paradoxalmente, temos condições para a construção de espaços de troca e convivência, de fundação de uma nova e madura democracia (entendida como valor universal), na eterna dialética continuidade/ruptura.

Mesmo a propalada administração participativa ocorre num contexto que prioriza melhores condições de produtividade e qualidade em detrimento do fator humano; um instrumento globalizador, para modelização (massificação) de subjetividades dos trabalhadores. A estrutura estatal tornou difícil a constituição de uma tradição democrática expressiva, ampliando-se o fosso entre sociedade civil e sociedade política, entre Estado e indivíduos organizados. Temos aqui o contraponto gestão – de caráter gerencial/técnico, baseando-se na consecução de resultados, e administração – que engloba o caráter político.

No entanto, conforme preceitua Nogueira (1998, p.189), o gestor público diferencia-se do privado, pois precisa ser técnico e político, com “olhos no processo societal abrangente, em seus nexos contraditórios e explosivos. Seu raio de ação está colado aos problemas da democracia, da representação e da participação”.

Apesar dessa diferenciação terminológica/sociológica, utilizaremos neste texto o termo “gestão”, por se tratar daquele que é encontrado nos documentos legais, embora tenhamos consciência de que esta substituição não é neutra, mas encobre uma perspectiva neo-taylorista.

A Educação, necessária para a democracia e a gestão participativa – “com atos de poder transparentes e submetidos a um efetivo controle social” (NOGUEIRA, 1998, p.202), precisa formar cidadãos em condições de deliberar em esferas dominantemente argumentativas, ou seja, a participação não pode ser dissociada da Educação para a Cidadania nem da formação de uma cultura política e capacidade linguística de discernimento; não pode permitir a expropriação da capacidade de decidir das pessoas – uma educação para a emancipação. Esta gestão participativa implica a negociação de políticas públicas.

A dependência de financiamento externo pelo Brasil, para a execução de suas políticas públicas, faz com que essas políticas sejam, de certa forma, dirigidas por instituições internacionais, como o Banco Mundial, que exigem a contrapartida destes investimentos.

Ao lermos os documentos do Banco Mundial, fica clara a ênfase no Ensino Fundamental, o que também está na Lei 9394/96 (LDB).

Nesses documentos, são enfocadas as diretrizes para os mais variados aspectos da educação, falando-se também em acesso, equidade e qualidade. Quanto à equidade, podemos questionar, se a educação nos moldes como se apresenta atualmente não estaria perpetuando as diferenças, ou mascarando-as, a fim de que a população tenha acesso a alguns bens, somente para que não ocorram convulsões sociais.

Reforçamos que o Estado Democrático exige o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a ampla maioria da população e para a redução das desigualdades sociais, bem como para a participação efetiva da população no processo de tomada de decisão. A sociedade civil depende de capacitação para a participação: quanto mais política for essa capacitação, mais uma sociedade civil tenderá a “fazer-se Estado”(GRAMSCI).

Nenhuma política pública é neutra, mas emerge da luta das classes da sociedade a que servirá, num jogo de forças entre grupos com interesses próprios. “A implementação das políticas abarca aquelas ações efetuadas por indivíduos (ou grupos) públicos e privados, com vistas à realização de objetivos previamente decididos”(VILLANUEVA, 1996, p.99). Assim, as características dos Estados transnacionais que compõem o cenário mundial atual precisam ser entendidas para que estas políticas também o sejam.

Discutindo ainda a questão da implementação de políticas, verifica-se que a autonomia do governo para tal é relativa, pois se insere no conjunto social e no processo político. Uma política não é somente uma decisão, mas um conjunto de ações.

À guisa de exemplificação da discrepância entre o proclamado e o real, na análise da política educacional paulista em 12 anos de governo do PMDB, veremos, a partir do governo André Franco Montoro, que, no discurso de posse disse: "descentralização e participação são os instrumentos desta nova política educacional” (BORGES, 2002, p.32), no entanto, continuando a inadequada interação escola-comunidade, relações autoritárias, ocorrendo apenas desconcentração, com o envio de recursos diretamente às escolas. Como descentralização, houve a municipalização da merenda, da pré-escola e de reformas e construções de prédios escolares.

No governo de Orestes Quércia, as Delegacias de Ensino foram transformadas em unidades de despesa e houve a implantação das Oficinas Pedagógicas. Quanto à participação da comunidade, esta foi sempre chamada a colaborar, mas na solução de problemas pontuais, pois a solução de problemas substanciais foi sempre apresentada por Decretos, Resoluções, Portarias, partindo dos órgãos centrais da pasta.

No governo de Fleury, houve uma tentativa de descentralização em nível de escola, com a implantação da Escola-padrão, porém, mesmo nesta, o magistério teve apenas participação passiva – “fez parte”, sem desta “tomar parte” (BORGES, 2002, p.235).

Se compararmos estes governos ao atual, verificaremos que diversas ações/programas têm se repetido, sem que alcancem o resultado desejado ou mesmo que tenham conclusão.

Temos ainda que pensar se, nas discussões sobre a qualidade/eficácia da escola pública, não se secundariza a prática democrática como condição para a qualidade de ensino, pois nos parece que a proposta de adoção de novos padrões de gestão envolve um conceito de produtividade, de enfoque nos resultados (e não no processo) de aprendizagem, transferindo à sociedade a responsabilidade sobre os equipamentos públicos e à escola, sobre os resultados. No entanto, o nível decisório e avaliador continuam na esfera central. O discurso substitui descentralização e participação por descentralização (ou desconcentração?) e produtividade, ou gestão de resultados. Transfere-se, assim, para a ponta do sistema a responsabilidade pelo eventual fracasso escolar.

[1] Maiores discussões podem ser encontradas no livro da autora “Participação e avaliação: Relações e Possibilidades – Uma análise sobre a atuação do Conselho de Escola no Projeto Pedagógico e a Avaliação de Sistemas” (2011).

[2] Cf. BANCO MUNDIAL, El desarollo em la práctica: prioridades y estratégias para la educación. Examen Del Banco Mundial, Banco Mundial, Washington, D.C.1996.

[3] Para melhor entendimento das ações/programas a que nos referimos, vide Borges, Z.P. Política e Educação: análise de uma perspectiva partidária. Campinas, SP, 2002, bem como os diversos documentos produzidos pela SEE de São Paulo, desde 1995.

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