Por Maria Ângela Paié Rodella Innocente[1]
A problemática da avaliação educacional transcende os aspectos técnicos e permite relacionar os processos do contexto pedagógico aos processos sociais e políticos. Afonso (2001, p. 107), com base em Hargreaves, propõe uma tabela para explicitar as crises sociais e educacionais, e suas inter-relações.
O auge dos exames coincide com a ascensão da burguesia. Os exames procuram substituir os privilégios de nascimento e fortuna, da sociedade aristocrática, pelo mérito do estudo.
No modo de produção capitalista, os exames poderiam verificar se a força de trabalho era produzida pelas escolas em quantidade suficiente e com as qualificações necessárias para atender ao sistema ocupacional (OFFE, 1990).
A escola devia atender ao sistema industrial capitalista, adequando as qualificações dos operários para que se adaptassem ao ritmo diário de trabalho contínuo, em que eram fiscalizados pelos capatazes, cabendo, porém, em grande parte, à própria fábrica profissionalizar seus operários.
Ao longo do século XIX, assiste-se à disseminação de exames e diplomas, evidenciando o controle estatal dos processos de certificação. Nesse cenário, a escola serviu, também, à consolidação dos Estados nacionais e do capitalismo, na transição do século XIX para o XX.
Como reflexo do taylorismo, utilizam-se os testes objetivos na sala de aula, visto que essa forma de organização do trabalho ganha grande importância no começo do século XX. Em sala de aula, o taylorismo traduziu-se na uniformização e na mensuração por intermédio de testes objetivos.
Nos anos 20 e 30, houve a priorização dos testes, nas avaliações, justificando-se os desempenhos de forma individual. Dos anos 30 aos 60, a avaliação passou a denominar-se avaliação educacional, devendo verificar o alcance de objetivos pré-estabelecidos, por meio de testes, questionários, fichas de registro de comportamento, para evidenciar o rendimento dos alunos (MOREIRA, 2004).
A partir de meados dos anos 60 a avaliação se profissionalizou tendo, nessa conjuntura, a participação e a negociação como princípios essenciais. A avaliação tinha como perspectivas o caráter qualitativo e democrático, trazendo à tona seu sentido ético e político e sua vinculação às questões de poder.
No entanto, havia um conflito entre o quantitativo e o qualitativo, o que não foi até agora totalmente superado e não se resume à semântica, mas vincula-se a questões filosóficas e políticas, que tocam a finalidade da avaliação e a concepção de mundo dos avaliadores.
Nas décadas de 1960 e 1970, a avaliação baseou-se na crença liberal de que os problemas poderiam ser superados caso fossem identificados e discutidos pelas ciências sociais, mediante políticas adequadas e investimentos. Essas políticas teriam sua eficácia verificada pela avaliação.
O Estado de bem-estar deslocou a ênfase das políticas para as necessidades dos cidadãos. Os serviços oferecidos exigiam avaliações a fim de assegurar equidade e racionalidade na distribuição e transparência e qualidade dos programas. Os indicadores obtidos, por meio das avaliações, representavam a relação entre o Produto Interno Bruto (PIB) e a qualidade de vida, o bem-estar e o progresso.
Assim, no período de cerca de 1965 e até os anos 80, predominou o positivismo, o gerencialismo, o objetivismo, a mensuração e a quantificação.
Com a crise do petróleo a partir de 1973, abalou-se a crença de que os problemas nacionais seriam resolvidos por meio de recursos generosos. Cortaram-se então os gastos nas áreas sociais, inclusive, de modo geral, os financiamentos da educação.
Com a mudança do modelo do Estado de bem-estar para o neoliberalismo, enfatiza-se o Estado avaliador, o qual deixa de ser provedor de serviços para a sociedade e passa a exercer forte fiscalização. Se antes a avaliação tinha como propósito analisar a eficácia dos programas para torná-los mais produtivos em termos sociais, agora a lógica é o controle e a racionalidade orçamentária, o que significou cortes de financiamento e queda da fé pública, ou seja, uma preocupação com o produto, mais do que com o processo, torna-se uma das tônicas da avaliação.
As avaliações de sistemas estão incluídas numa política educacional vinculada à reforma do Estado, que vem ocorrendo desde os anos 80, em que se inclui a gestão educacional e se relaciona a um conjunto de medidas, influenciadas por regulações de financiadores externos. Assim, gestão e avaliação de sistema passam a ser um conjunto, visando impulsionar a produtividade, com a competitividade entre escolas e o controle da qualidade de ensino, por meio de metas pré-estabelecidas.
A crise do Estado, a partir da crise do petróleo, foi debitada, em parte, ao mau gerenciamento dos recursos estatais, favorecendo a reestruturação ideológica e, aliado à globalização do capital, levou os financiadores transnacionais a atuar como gerentes e avaliadores da utilização dos recursos de financiamentos. A educação é responsabilizada pela pouca competitividade do país no cenário econômico mundial. A educação, então, deve ser ajustada às regras do mercado, associando, de forma simplista, crescimento econômico e educação, devendo atender às habilidades e competências requeridas pelo sistema ocupacional.
Os organismos internacionais redefinem o papel do Estado mediante um receituário aplicado a diferentes contextos, buscando, por meio das reformas, tornar o Estado mais eficaz na prestação de serviços públicos: ajuste de contas públicas, privatização, desregulação/regulação da economia, corte de despesas, descentralização administrativa, flexibilização de relações trabalhistas, dentre outras medidas.
Nesse cenário, o financiamento da educação passa a depender do ajuste às políticas públicas “definidas” pelos financiadores, o que se consubstancia na legislação de ensino e nas avaliações de resultados. Contudo, são necessários investimentos para a universalização do acesso à educação (pelo menos a educação básica), a fim de alterar o quadro de exclusão das classes populares, em relação ao acesso à educação. Trata-se de conseguir resultados favoráveis com minimização de recursos, no Estado mínimo. Culpabilizam-se os próprios sistemas pelo fracasso das políticas que não são geradas por seus atores.
A ajuda internacional é condicionada à implementação de avaliações do sistema, numa sociedade regida pela lógica do mercado.
Conforme refere Dias Sobrinho (2002, p. 20), as políticas de avaliação “justificam admissões e demissões, ascensões e reprovações, premiações e sanções [...] liberações e cortes de financiamentos”. Tais políticas constituem-se em formas de regulação do financiamento, atrelando qualidade, avaliação e provimento de recursos. Essas avaliações consideram partir-se do mesmo ponto, o que não ocorre. As intervenções restringem-se a medidas compensatórias, numa implementação fragmentada que não melhora a qualidade do sistema.
[1] Mais discussões e bibliografia completa podem ser encontradas no livro da autora “Participação e avaliação: Relações e Possibilidades – Uma análise sobre a atuação do Conselho de Escola no Projeto Pedagógico e a Avaliação de Sistemas” (2011). Ou no texto da dissertação de mestrado disponível na barra lateral do blog.
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