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27/07/2018

BRASIL: O FUTURO QUE QUEREMOS PARA A EDUCAÇÃO



Esclarecimentos necessários:

O artigo será dividido em duas partes: na primeira, trago apontamentos/resumo do artigo sobre educação, de Claudia Costin, do livro Brasil: o futuro que queremos, sob coordenação de Jaime Pinsky, em que a autora discute o objetivo 4 da ONU – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) que inclui a educação.

Na segunda parte, discuto como tais objetivos se encontram no contexto da educação brasileira, com ênfase na educação paulista.

Espero assim contribuir para uma reflexão importante aos educadores.

Parte 1: Apontamentos/resumo do artigo sobre Educação – Claudia Costin[1]

Maria Ângela P. R. Innocente[2]

A Educação brasileira e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável

Assembleia das Nações Unidas - setembro/2015 – Objetivo 4 referente à Educação – Objetivos do desenvolvimento Sustentável (ODS)

Objetiva que os países assegurem educação inclusiva, equitativa e de qualidade e promovam oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos.

Não se trata apenas de acesso à escola, mas de garantia de aprendizagem nos diferentes níveis da educação básica, educação técnica e universitária.

Metas até 2030 em que se desdobra o Objetivo 4:

- Assegurar que todos completem educação básica de qualidade, livre e equitativa, que conduza a resultados de aprendizagem relevantes e efetivos;

- Assegurar que todos tenham acesso a programas de primeira infância de qualidade (incluindo educação pré-escolar);

- Aumentar de forma expressiva o número de jovens e adultos que tenham habilidades relevantes, inclusive competências técnicas para empregabilidade e empreendedorismo.

Nesse contexto, os desafios para a educação brasileira são imensos – para construir uma educação que contemple novas necessidades e nos coloque o chamado futuro do trabalho.

Nos saímos mal no PISA; desigualdade no desempenho dos alunos nessa e a outras avaliações; educação não oferece igualdade de oportunidades para todos, mas contribui para o acirramento da inequidade.

Os Desafios e os Avanços da Educação Brasileira

O Brasil, em 1930, tinha apenas 21,5 % de crianças no ensino fundamental I, enquanto outros países da América Latina, como o Chile, tinham 73%.

Demorou muito para universalizar o acesso à educação e por muito tempo, somente alunos oriundos das camadas médias e elites ocupavam os bancos escolares.

A opção de política pública para educação que o Brasil fez nos anos 1930 e 1940, foi de criar uma elite iluminada que pudesse definir os rumos do país, investindo na educação superior. Uma lei de 1931 estabeleceu exame de admissão para o ginásio que excluiu a maior parte da população em idade escolar do acesso a essa etapa durante cerca de 40 anos, erro semelhante feito pela Índia.

O governo militar manteve essa ordem de coisas e a aprofundou, mas com a redemocratização a educação básica foi incluída entre os direitos sociais (vide Constituição de 1988). Mas a universalização só ocorreu em 1997, com o FUNDEF, para financiar o ensino fundamental, baseado no número de alunos matriculados nas escolas, em cada sistema.

Também foram realizados esforços para que os docentes tivessem ao menos nível superior. A avaliação de sistemas foi sistematizada.

Porém a melhoria da educação básica em termos de acesso, qualificação e conclusão esbarrou em alguns problemas:

- Falta de diretrizes claras para elaboração de currículos subnacionais e escolares, dificultando a definição dos direitos à aprendizagem e a garantia de equidade;

- Despreparo dos gestores de redes estaduais e municipais para gerir o processo de melhoria da qualidade da educação;

- Desconexão entre diferentes políticas públicas na busca ativa de alunos que abandonam a escola ou que nunca a frequentaram, mesmo que alguns avanços tenham ocorrido nessa direção, com a Bolsa Escola e a Bolsa Família, que vinculam transferência de renda à frequência escolar;

- Baixa atratividade e prestígio social da carreira de professor, com salários baixos e contratos fragmentados, levando eventualmente à desprofissionalização;

- Inadequação da formação inicial do professor no ensino superior, ainda muito centrada em fundamentos da Educação e desconectada da preparação para uma profissão;

- Reduzida ênfase em formação continuada em serviço, a despeito da lei que estabelece provisão de 1/3 do tempo para atividade extraclasse;

- Visão demagógica da educação em contextos de vulnerabilidade, com baixas expectativas de aprendizagem para a maior parte dos alunos;

- Falta de informações para os professores sobre o desempenho de seus alunos em avaliações externas para orientar sua prática;

- Excesso de disciplinas e curta duração da jornada escolar no ensino médio, levando a um currículo enciclopédico e abordagem inadequada para o desenvolvimento de competências necessárias para o século XXI;

- IDEB extremamente baixo para o ensino médio, estagnado em 3,7, numa escala de 0 a 10.

Assim, os resultados educacionais foram extremamente baixos:

- PISA 2015, entre 70 economias, 66º lugar em matemática, 63º em ciências e 59º em leitura, sendo que o Brasil é a 9ª economia mundial, medida pelo PIB;

- Baixa aprendizagem: 54,7 % dos alunos do 3º ano do EF tem problemas de leitura (níveis 1 e 2 em 2016); 34% em escrita e 54,4% em matemática;

- 60% dos alunos de 5º ano têm desempenho inadequado em português e matemática na Prova Brasil, aplicada em todas as escolas públicas a cada dois anos;

- No 9º ano, 73% dos alunos não aprenderam o adequado em português e 83%, em matemática;

- Altas taxas de repetência e evasão no EM, com taxa de conclusão até 19 anos de 59%.

Porém há também avanços, como o Marco Legal para a primeira infância que pode possibilitar a diminuição da desigualdade social; a inclusão das crianças de 4 e 5 anos na educação obrigatória, sendo que segundo o Anuário Brasileiro de Educação temos hoje 90,5% das crianças dessa faixa etária na escola.

Avançamos no atendimento da faixa etária de jovens de 15 a 17 anos, sendo tornada obrigatória em 2015, e, em 2016, 84,3% deles estavam na escola, embora muitos não na série correspondente à idade.

Criamos uma cultura de avaliação sistematicamente a cada dois, aplica-se a Prova Brasil em escolas públicas no 5º e 9º anos do EF e na 3ª série do EM (amostragem), gerando uma série histórica que permite acompanhar a evolução da aprendizagem e, associada às taxas de aprovação, consolidada no IDEB, o desempenho das redes de ensino.

Com os dados da Prova Brasil, constatamos que a aprendizagem no 5º ano vem melhorando e no 9º, melhorias menores, mas sólidas.

A ANA – Avaliação Nacional de Alfabetização, realizada ao final do 3º ano do EF, permite verificar se os alunos completaram a alfabetização e matemática iniciais. Com a aprovação da BNCC, essa avaliação deve ser antecipada para o 2º ano, em que se prevê a conclusão da alfabetização para todos os alunos.

O SISU (Sistema de Seleção Unificada), sistema que recebe as notas do ENEM, permite que jovens as apliquem para universidades que aceitem o exame como parte do processo seletivo para ingresso, facilitando o acesso ao ensino superior.

A aprovação da BNCC para a EI e o EF, orientará os currículos para assegurarem o direito de aprender dos alunos, traduzindo em currículos subnacionais.

O Futuro do Trabalho e a Educação no Brasil

No contexto atual brasileiro tem havido consideráveis transformações no mundo do trabalho. Há inovações características da chamada 4ª revolução industrial em boa parte do mundo, com forte potencial de extinção de postos de trabalho, sobretudo os de tarefas rotineiras.

Segundo pesquisadores da Universidade de Oxford, até 2030 cerca de dois bilhões de empregos serão extintos, com a automação de diversas tarefas, carros auto dirigíveis, etc. Também no Brasil há emprego de robôs em inúmeras funções.

Dessa forma, a educação no Brasil, além de melhorar a qualidade no desenvolvimento de competências demandadas pelo mundo do trabalho, deve preparar a futura geração de adultos para a resolução colaborativa de problemas, pensamento crítico, flexibilidade e adaptabilidade, criatividade, experimentação e competências do século XXI.

Para tal, faz-se necessária uma profunda transformação da escola, levando a um maior envolvimento do aluno no processo ensino-aprendizagem, aprendizagem baseada em problemas, etc. A BNCC incorpora essas competências para prosperar num mundo de incertezas, porém é preciso mudar a cultura da escola, investindo em desenvolvimento profissional, até mesmo, nas formas de recrutamento e seleção de docentes.


Um Esboço de Plano de Ação

Não se devem buscar soluções milagrosas para a educação no Brasil, nem correr o risco de desconstruir o que, embora exageradamente lento, trouxe avanços, nem tampouco, buscar o imediatismo.

Deve-se também buscar referências em pesquisas internacionais em sistemas educativos, dependendo do estágio de evolução em que se encontram, para utilizar diferentes estratégias para avançar.

Há dois princípios norteadores no Plano de Ação apresentado: excelência e equidade, tais como definidos no ODS 4. A ideia é investir na aprendizagem com altas expectativas e garantir que não haja exclusões ou um ensino de segunda linha para os mais vulneráveis, portanto necessita-se de uma forte ação afirmativa.

As Principais medidas do Plano de Ação para os próximos quatro anos seriam, de forma resumida:

- Criar um Sistema Nacional de Educação Básica, em que se estabeleça a governança e o financiamento da área, com certificação de docentes sob responsabilidade da União;

- Estabelecer um mecanismo de atualização sistemática da BNCC e dos currículos subnacionais, de forma participativa e regime de colaboração vertical;

- Preparar, em regime de colaboração, materiais curriculares de apoio aos professores, inclusive em meio digital, e organizar formações para sua utilização;

- Adaptar as avaliações existentes à BNCC, dotando estados e municípios de bancos de itens para realização de avaliações formativas;

- Realizar projeto de melhoria da infraestrutura das escolas para ampliação da jornada escolar, levando ao turno único, e possibilidade de desenvolvimento de trabalhos em grupo e conectividade e uso de plataformas digitais;

- Preparar planos estaduais georreferenciados para colocar as redes de ensino público em turno único, iniciando em áreas de vulnerabilidade, no ensino fundamental;

- Elaborar uma Base Nacional Docente que se traduza posteriormente em currículos de centros de formação de professores no ensino superior, de natureza preparatória para o exercício profissional;

- Profissionalizar a carreira do professor, aumentando a atratividade, por meio da contratação por 40 horas semanais ou regime de dedicação exclusiva, estabelecendo um teto de 15% para professores temporários;

- Incluir provas didáticas nos concursos públicos para professores de educação básica;

- Regular a utilização do tempo legalmente previsto nas atividades extraclasse nas redes estaduais e municipais, a fim de proporcionar uma forma mais efetiva de formação continuada em serviço e de trabalho colaborativo entre docentes;

- Estabelecer mecanismos mais efetivos para reforço escolar, com trajetórias alternativas para alunos mais velhos e correção de fluxo;

- Criar mecanismos descentralizados para chamar professores substitutos sempre que algum professor ficar impossibilitado de comparecer na escola;

- Promover maior intersetorialidade em ações voltadas à primeira infância, especialmente para famílias do Bolsa Família, inclusive com visitação familiar e Escola de Pais;

- Criar projeto de investimento, em regime de colaboração, em infraestrutura de creches e pré-escolas e em terrenos compartilhados com centros de saúde para permitir maior convergência entre as duas políticas públicas nesta fase;

- Certificar instituições privadas e do terceiro setor para apoiar a formação técnica de alunos no EM que optarem por ensino profissional, nos moldes do que ocorre nos países mais avançados em Educação.

São medidas que podem tirar a educação básica do atraso em que nos encontramos e colocar o país num outro patamar de desenvolvimento, bem como garantir o direito de aprender de todos.

Conclusão

A educação brasileira conta com condições de recuperar o atraso, tanto em termos de acesso e de conclusão do EM, como em aprendizagem de seus alunos.

Tomando a BNCC, a capacidade de avaliar consistentemente o desempenho dos alunos e gerar dados educacionais sobre aprendizagem, instituições formadoras e recursos reservados, embora insuficientes, para financiar a educação.

O que parece faltar é um grande projeto de transformação pactuado entre União, estados e municípios, com ações sequenciadas e mudanças na formação dos docentes, atratividade da carreira, currículos compatíveis com os tempos em que vivemos, o que foi apresentado no “Um esboço de plano de ação”.

Precisamos de uma escola que ensine a pensar, que construa competências leitoras e de raciocínio matemático, amplie o repertório cultural e desperte a curiosidade e a imaginação, para uma aprendizagem consistente.

Precisamos de uma escola em que todos aprendam, combinando excelência e equidade. Não somente escolas excelentes, porém excludentes, como muitas.

Construir em escala uma educação de qualidade para todos é o grande desafio que os ODS e o novo mundo do trabalho nos colocam, o que é desafiador, mas viável, e necessita de um projeto nacional e de liderança para a transformação.

Parte 2: Breves comentários para suscitar discussões e reflexões[1]
Maria Ângela P. R. Innocente[2]

O Brasil é um país extremamente desigual, o que ocorre também na educação. Como garantir uma educação de qualidade para milhares de crianças e de jovens que ingressarão ou já estão no mercado de trabalho?

A qual qualidade nos referimos? Atender a avaliações externas e currículos nacionais ou subnacionais que serão “cobrados” em tais avaliações? Inserir no mercado de trabalho, o que, em última análise, garante o sustento? Qualidade social, ou seja, interferir no tecido societário e alterar o status quo?

O ODS 4 da ONU discutida no artigo de Claudia Costin, que apresentei na parte 1 desse texto, sobre o futuro da educação que queremos para o Brasil apresentam dados relevantes sobre a situação da educação no Brasil, propondo também um Plano de Ação para atingir diversos objetivos, o que pretendemos discutir/questionar a seguir, com foco principalmente no estado de São Paulo, onde construímos nossa carreira na educação.

Quanto aos resultados do PISA, aplicado a cada dois anos a alunos de 15 anos, ressalte-se a defasagem idade-série que ocorre em grande número no Brasil; quanto ao posicionamento do Brasil em relação ao PIB (9ª economia mundial) reforce-se a necessidade de investimento na educação em relação ao PIB precisar ser aumentada, pois não podemos comparar a estrutura educacional brasileira com países que, além de PIB elevado e altas taxas de investimento em educação há décadas, tem menor número de crianças e jovens em sua população. Ou seja, sem investimento consistente e por longo tempo em educação, além de tornar a educação uma prioridade de Estado, não haverá melhoria.

Sobre a correção de fluxo idade/série já houve em torno dos anos 2000, na rede pública paulista[3], em que se desenhou material específico com as habilidade/competências básicas para a continuidade dos estudos, porém não se pode garantir que a aprendizagem foi efetiva.

Quanto às avaliações externas, só fazem sentido se os dados coletados servirem para discutir com os envolvidos no processo o que levou aos mesmos. Somente mensuração, ou seja, obter dados para bonificações por resultados, não melhorarão a educação. Tais avaliações de políticas públicas precisam ser discutidas com os profissionais da educação e a comunidade escolar, considerando também o meio em que foram produzidas. Não é coincidência que comunidades com maiores problemas sociais obtenham piores resultados.

Além disso, corre-se o risco de que se trabalhe em função da obtenção de resultados, treinando os alunos em função do que será cobrado em tais avaliações, desconsiderando a qualidade da educação com sentido de qualidade social, ou seja, dos fins e objetivos de uma educação para a emancipação.

Se objetivarmos também apenas a inclusão no mundo do trabalho corre-se o risco de ocorrer o que discute Habermmas (Escola de Frankfurt): “o mundo do trabalho está colonizando o mundo da vida”.

Não podemos promover uma inclusão excludente. Aqueles que por séculos ficaram afastados da escola, para facilitar a dominação das elites, não podem ser excluídos, não agora pela falta de acesso, que até existe, mas pela qualidade da educação que lhes é oferecida.

Quanto a buscar suporte em pesquisas internacionais sobre educação, há que se criticizar os dados para a realidade brasileira. Nem tudo que deu certo em outros países será bem sucedido aqui, uma vez que as realidades são muito díspares.

Há aspectos realmente são necessários, como pensar a formação docente para a realidade da sala de aula, para o aluno real, uma formação que promova, como reporta Terezinha Rios, “competência técnica, política, ética e estética”. Saber fazer e fazer bem, comprometendo-se com a aprendizagem do estudante.

Além disso, melhorar a infraestrutura, com internet de alta velocidade, por exemplo, carreira docente atrativa, limitar a contratação de temporários, formação continuada adequada para os profissionais da educação de forma que atenda às reais necessidades, políticas de cuidados com a primeira infância, tempo extra classe adequado ao estudo e ao preparo de material, jornada única para fixar o docente numa única escola e promover o trabalho coletivo, escolas de turno único (sem criar ilhas de excelências em detrimento de outras), investimento de porcentagem suficiente do PIB em educação, tornar a educação um programa de Estado (não de governo, partido ou secretário no poder), de forma a que as políticas educacionais tenham continuidade, sendo avaliadas constantemente e corrigidos os rumos.

Precisamos de um real pacto pela educação, formando cidadãos que saibam pensar, contudo, como alerta Pedro Demo, não para “pensar servilmente”.

Esse é o desafio do objetivo 4 dos ODS, para nossa reflexão e atuação.

[1] COSTIN, Claudia. Educação. In: Brasil: o futuro que queremos. PINSKY, Jaime (coordenador). São Paulo: Editora Contexto, 2018. p. 11-23.
[2] Supervisora de Ensino aposentada. Mestre em Educação. Docente e conteudista no Ensino Superior. Consultora Educacional.
[3] Estudar pra valer, aprender pra valer. Da 6ª para a 8ª série. Muitos alunos nem entendiam porque estavam em determinadas turmas.

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