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21/04/2025

ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS (LEWIS CARROL)

 O que poucos sabem é que o conto original está muito longe do mundo encantado que a Disney popularizou. Escondido sob jogos de palavras e criaturas fantásticas, Alice no País das Maravilhas é um espelho distorcido da lógica, um mergulho em um universo regido pelo absurdo, onde as regras humanas são quebradas e a sanidade é constantemente posta em xeque.


Alice No País Das Maravilhas - Por Lewis Carrol

Em um dia quente e entediante, Alice estava sentada à sombra com sua irmã, que lia um livro sem figuras. Entediada, Alice refletia sobre a utilidade de um livro sem imagens, quando um Coelho Branco passou correndo, vestindo um colete e murmurando que estava atrasado. Curiosa, ela o seguiu e caiu por uma longa toca, descendo por um poço profundo e escuro, onde viu relógios, estantes e mapas flutuando ao redor.

Ela aterrissou em um corredor com muitas portas trancadas. Ao encontrar uma chave dourada e uma porta minúscula, percebeu que poderia espiar um jardim maravilhoso, mas não cabia por ela. 

Em cima de uma mesa, encontrou uma garrafa com a inscrição “Beba-me”. Ao beber, encolheu. Depois, comeu um pedaço de bolo com a inscrição “Coma-me” e cresceu. 

Alice, então, passou a alternar entre crescer e encolher, perdendo o controle de si mesma e de seu corpo.

Durante sua jornada, Alice encontrou personagens estranhos, como uma lagarta azul fumando narguilé sobre um cogumelo, que a desafiou com enigmas e palavras ambíguas. O cogumelo tinha dois lados: um que a fazia crescer, outro, encolher.

No bosque, ela encontrou o Gato de Cheshire, que surgia e desaparecia, rindo enigmaticamente. Ele a aconselhou a visitar o Chapeleiro Maluco e a Lebre de Março, que celebravam um chá interminável, onde o tempo estava preso — era sempre seis horas, a hora do chá. Todos pareciam presos em uma lógica absurda e caótica.

Alice também conheceu a Rainha de Copas, uma figura autoritária, histérica e impiedosa, que gritava “Cortem-lhe a cabeça!” por qualquer trivialidade. No campo de croqué da rainha, ouriços eram bolas e flamingos eram tacos. A rainha promovia execuções com frequência, mas ninguém parecia realmente executado.

O Rei de Copas era passivo, quase inútil, e os processos no tribunal eram absurdos e ilógicos. Alice assistiu ao julgamento do Valete de Copas, acusado de roubar tortas. Quando Alice protestou contra as injustiças, começou a crescer de novo e percebeu que os habitantes daquele mundo não passavam de cartas de baralho.

Quando a Rainha ordenou que a executassem, Alice se recusou a obedecer — e tudo desmoronou. As cartas voaram sobre ela como uma tempestade, até que ela acordou no colo da irmã, percebendo que tudo havia sido um sonho — ou algo mais profundo.

Agora Senta Que Lá Vem A História.

A partir desse ponto leia apenas se quiser entrar no verdadeiro "País das Maravilhas" ou melhor no "Labirinto da Loucura".

Era uma tarde tediosa quando Alice, sentada ao lado da irmã, começa a perder-se em pensamentos. Eis que surge um Coelho Branco, apressado e murmurando para si: 

"Ai meu Deus! Ai meu Deus! Vou chegar atrasado!" — um animal vestindo colete e olhando para um relógio de bolso. A partir deste instante, a lógica da realidade se quebra.

Alice o segue, impulsiva, caindo então num buraco profundo. Sua queda é lenta, silenciosa, e repleta de objetos — como se estivesse mergulhando nas camadas do subconsciente. Esse momento simboliza a ruptura da infância com a lógica adulta: ela sai do mundo conhecido e desce para uma realidade sem sentido, onde as leis do tempo, da física e da linguagem são fragmentadas.

Alice aterrissa num corredor cheio de portas. Encontra uma pequena chave dourada, que abre uma porta minúscula. Para atravessá-la, ela precisa encolher. Começa então uma sequência de transformações físicas grotescas: encolhe, cresce, chora um mar de lágrimas em proporções surreais.

Aqui, Carroll introduz o desconforto com o próprio corpo — um possível retrato do início da puberdade. O tamanho de Alice muda como um reflexo de suas inseguranças e da perda de controle. Sua identidade começa a se dissolver: 

“Quem sou eu, afinal?” ela se pergunta.

Alice encontra animais que correm em círculos, em uma "corrida de caucus" onde todos ganham. Carroll satiriza aqui os sistemas políticos e sociais vitorianos — onde a movimentação frenética leva a lugar algum, e as premiações são simbólicas e vazias.

O País das Maravilhas revela-se como um mundo cíclico, sem lógica, sem progresso, e sem sentido — como o próprio funcionamento da burocracia britânica que Carroll tanto criticava.

De volta ao Coelho Branco, Alice entra em sua casa. Bebe uma poção e cresce descontroladamente, ficando presa dentro da residência. Um braço para fora da janela, o pé esmagando móveis. Esse grotesco distorcimento corporal evoca os pesadelos vívidos da infância, mas também insinua o horror do aprisionamento psíquico.

O simbolismo aqui é claro: Alice está crescendo demais para o mundo que a cerca — o lar, as convenções sociais, a infância. Mas crescer também é perder o controle.

Alice encontra a Lagarta Azul fumando narguilé. Ela a encara com olhos semicerrados e pergunta: 

“Quem é você?” — a pergunta mais central e perturbadora da obra.

A lagarta representa a sabedoria ambígua, um símbolo da transição, do vício, e da indiferença. A ideia de identidade é posta à prova: Alice muda de tamanho ao comer cogumelos, mas não sabe mais se é criança, adulta ou coisa alguma. Ela se desfaz enquanto busca se reconhecer.

Em uma cozinha insana, uma Duquesa grita, uma cozinheira joga panelas e o bebê espirra tanto que vira um porco. O ambiente é caótico, agressivo, e revela uma paródia da maternidade vitoriana.

Aqui também surge o Gato de Cheshire, que aparece e desaparece aos poucos, deixando apenas o sorriso. Ele representa a insanidade permanente. Diferente de Alice, o Gato está confortável com o absurdo. Ele afirma: 

“Somos todos loucos aqui.”

Alice encontra o Chapeleiro Louco, a Lebre de Março e o Dormidongo, todos presos em um chá eterno. O tempo ali parou. Carroll criou esse cenário como metáfora da mente aprisionada em obsessões — possivelmente uma crítica à rigidez das convenções sociais e ao tédio das reuniões sociais da elite inglesa.

O Chapeleiro pergunta: 

“Por que um corvo se parece com uma escrivaninha?” — um enigma sem resposta. A ausência de lógica é parte do jogo: a racionalidade, no País das Maravilhas, é só mais uma ilusão.

No jardim, as rosas brancas são pintadas de vermelho. Um símbolo de falsidade e aparência — esconder a realidade com maquiagem simbólica. Alice encontra a Rainha de Copas, um retrato da tirania e da punição arbitrária. Seu bordão é: 

“Cortem-lhe a cabeça!” — uma sátira à justiça cega e autoritária.

A violência da Rainha de Copas é uma paródia cruel da autoridade adulta, da justiça vitoriana, e da punição sem crime.

Alice ouve as histórias da Tartaruga Falsa e do Grifo — criaturas tristes que cantam, choram e lembram da escola. A "escola" deles ensina coisas absurdas, como a “recalcação” e o “tornar quadrado”.

Aqui, Carroll critica o sistema educacional, onde o aprendizado era mecânico, frio e inútil. As crianças eram treinadas para obedecer, não para pensar.

Alice presencia um julgamento ridículo onde o Valete de Copas é acusado de roubar tortas. As provas não fazem sentido, e a lógica é completamente invertida. Quando a Rainha ordena sua dec*pit4ção, Alice — agora maior e mais segura — reage: 

“Vocês não passam de um baralho de cartas!”

As cartas voam em sua direção. Ela acorda.

Alice desperta ao lado da irmã. Mas algo mudou. Ela não é mais a mesma. 

A travessia pelo País das Maravilhas é um ritual de passagem sombrio — uma travessia onde tudo que se conhece é despedaçado para que se possa começar a reconstruir.

Lewis Carroll deixa a dúvida no ar: e se tudo isso for real, e o mundo for apenas um delírio socialmente aceito? Talvez o País das Maravilhas não seja um lugar para fugir… mas uma verdade crua escondida sob a lógica civilizada.

Mas como tudo isso teve ínicio?

Era uma tarde de verão em Oxford, em 1862, quando Charles Lutwidge Dodgson — o tímido matemático por trás do pseudônimo Lewis Carroll — embarcou com Robinson Duckworth e com mais três meninas em um passeio de barco pelo rio Tâmisa. Uma delas se chamava Alice Liddell. Daí o nome da personagem principal.

Para entreter as crianças, ele começou a inventar uma história — mas o que começou como uma simples brincadeira se transformaria, anos depois, em uma das obras mais misteriosas e inquietantes da literatura vitoriana: Alice’s Adventures in Wonderland ou Alice nos País das Maravilhas.

O que poucos sabem é que o conto original está muito longe do mundo encantado que a Disney popularizou. Escondido sob jogos de palavras e criaturas fantásticas, Alice no País das Maravilhas é um espelho distorcido da lógica, um mergulho em um universo regido pelo absurdo, onde as regras humanas são quebradas e a sanidade é constantemente posta em xeque.

O livro não oferece moral. Não ensina lições de bondade. Pelo contrário: é uma sátira feroz à sociedade vitoriana, à rigidez acadêmica e à perda da inocência.

Lewis Carroll era um homem complexo, e as discussões sobre sua relação com Alice Liddell, uma criança de apenas 10 anos, são alvo de debate até hoje. O diário do autor possui lacunas e páginas arrancadas exatamente nos trechos que tratavam de sua convivência com a família Liddell. 

Alguns estudiosos afirmam que Carroll estava apaixonado por Alice — e que a história seria sua forma de eternizá-la, envolta em símbolos e enigmas.

Outros veem no País das Maravilhas uma metáfora para os traumas da puberdade. Alice muda de tamanho constantemente, questiona quem é, sente-se confusa, frustrada, invisível — tudo isso poderia refletir o caos da transição da infância para a vida adulta. A lagarta que sopra fumaça enquanto questiona: “Quem é você?” — é o eco da crise de identidade que a própria Alice atravessa.

Ao longo das décadas, muitos leitores passaram a ver no conto pistas de uma possível alegoria ao uso de substâncias psicotrópicas. O cogumelo que altera o corpo de Alice, as conversas sem sentido, os cenários surreais e a sensação constante de deslocamento sugerem uma experiência quase lisérgica. 

No entanto, Carroll, um matemático metódico, jamais admitiu tal intenção — o que não impediu que a obra se tornasse ícone da cultura psicodélica.

Teorias também conectam a obra ao simbolismo alquímico, ao estudo da lógica e à matemática não euclidiana — áreas de interesse do autor. 

O País das Maravilhas, então, pode ser lido como um labirinto filosófico em que se perde tudo o que é conhecido — até a própria realidade.

Com o tempo, o tom perturbador da obra foi sendo diluído. A versão animada da Disney, lançada em 1951, reimaginou o País das Maravilhas como um lugar excêntrico, mas inofensivo. 

Alice tornou-se uma menina curiosa e doce, e a Rainha de Copas virou uma figura cômica. A loucura foi domesticada. O absurdo virou charme. Mas o texto de Carroll permanece intacto — pronto para assombrar os que ousam lê-lo com olhos adultos.

Não sabemos se Alice fugiu da loucura... ou mergulhou nela para sempre.

Alice nos País das Maravilhas - Por Lewis Carrol

Texto: Douglas Kaya
📸Douglas Kaya

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