Páginas

05/06/2018

ADMINISTRAÇÃO COLEGIADA NA ESCOLA PÚBLICA

por Maria Ângela P. R. Innocente

Ainda analisando a gestão democrática, Prais (1990, p.16), entende
a relação do processo de administração escolar como projeto educativo que intencional e coletivamente se empenha em elevar qualitativamente o nível cultural das camadas populares(...)tal processo procura dar aos membros das camadas populares condições de dirigir ou controlar quem dirige a sociedade. Isto sugere que o processo de democratização escolar resulta de espaços conquistados pela organização das classes proletárias. Assim (...) a administração colegiada como processo eminentemente educativo e político, quando se articula com a função essencial da escola pública, no sentido etmológico de público enquanto popular.
Para Prais (1990, p.67),
tal discurso, ao se anunciar formalmente como legalizador de uma administração participativa, reflete certamente o momento histórico em questão. Momento em que a ‘transição democrática’ se impunha como única forma possível de se assegurar o poder, já que havia uma nítida rachadura do bloco dominante: interesses militares versus interesses burgueses. Neste aspecto, o discurso é explícito quando na instituição do colegiado escolar considera de fundamental importância “a necessidade de promover a integração da comunidade-escola, para que esta corresponda às exigências sociais.
Continuando este raciocínio, Prais (1990, p.68), mostra que
numa perspectiva gramsciana, deve-se manter presente que a classe dominante para realizar sua função hegemônica deve recorrer à sociedade civil, e esta foi a preocupação dos novos dirigentes. Significa que, para se obter o consenso não basta que os valores da classe dominante se materializem a nível de legislação; é preciso também que se concretizem a nível da sociedade civil, como por exemplo, a nível da instituição escola. Pois, se a sociedade civil é espaço de circulação de ideologias contrárias, então a contradição pode vir a ser conscientemente explorada pela classe dominada, a favor de seus próprios interesses, exercendo através de seus intelectuais orgânicos uma contra-hegemonia.
Neste enfoque, Prais (1990) ainda mostra o papel da educação escolar a partir do princípio da contradição social e portanto se fundamenta no materialismo histórico, pois considera a contradição como princípio constitutivo da organização social.

Esta autora “aponta a escola como instituição integrante da sociedade civil, caracterizando-a como espaço social onde a luta pela hegemonia ideológica torna-se uma realidade”(p. 36).

Cita, porém, Ianni (1963 apud PRAIS, 1990, p. 205), mostrando que “os limites da democratização da escola coincidem com os limites da democracia na sociedade de classes”. Na administração colegiada , há a possibilidade de fazer sobrepujar os interesses coletivos sobre os interesses particulares. E continua “a administração colegiada [...] ao requerer a participação de todos os membros da comunidade escolar, rompe definitivamente com a rotina alienada do mando pessoal, ao mesmo tempo que mediatiza e efetiva decisões estruturadoras da coletividade escolar”(PRAIS, 1990, p. 57).

Embora de natureza contraditória, a administração colegiada insere-se na luta pela democratização da escola, mesmo que, por um lado identificando-se com os processos de transformação social, “cria condições concretas para a existência de uma escola comprometida com o projeto histórico da classe trabalhadora, por outro lado, esta mesma prática encontra limites, na própria concretude histórica” (PRAIS, 1990, p.17), apresentando-se ainda incipiente, nas escolas estudadas.
Para Prais (1990, p. 61),
tem-se, pois, que o surgimento da administração colegiada se caracteriza como processo resultante de uma vontade coletiva organizada no sentido de uma mudança histórica. Nesta perspectiva, o processo se coloca como fenômeno historicamente necessário, ou seja, como movimento social e também como condição de possibilidade para uma prática educativa transformadora.
Para Prais (1990, p. 73), “a avaliação é usada como instrumento de poder do professor, e não como um momento de aprendizagem, de revisão do trabalho docente ou de comprovação para o aluno de seu progresso em direção à sistematização do conhecimento”.

Alguns temas são constantes no discurso 
para uma prática democrática:

- recuperar o conceito de público enquanto popular, e a partir daí resgatar a função essencial da escola pública tendo em vista o atendimento das camadas populares.

- necessidade de discutir amplamente as questões básicas do trabalho escolar [...] discussão que só terá sentido se vinculada à análise histórico-social da escola e de sua função política numa sociedade de classes.

- melhoria da qualidade de ensino através de currículos adequados, conteúdos articulados com a realidade social [...] qualificação docente, administração colegiada entre outros.
- fortalecimento da administração colegiada, com a participação da comunidade, para efetiva democratização das decisões tomadas na escola.

- valorização do profissional do magistério, com garantia de salários justos e jornada de trabalho compatível com as necessidades de sua função.

- revisão nos critérios de promoção que devem se basear no efetivo desempenho do profissional, constatado através de resultados comensuráveis: realização de cursos de atualização, publicação de trabalhos entre outros.

- reformulação dos cursos de formação de professores, para que possam melhor preparar os docentes, e reciclagem(sic!) obrigatória e constante para aqueles que já estiverem atuando.

- engajamento político-profissional em entidades de classe que visem a defesa de seus interesses.
- ampliação da jornada escolar, de forma que o aluno realize todas as atividades escolares no recinto da própria escola e onde ele possa receber material escolar gratuito, alimentação completa, esporte e lazer.

- expansão ordenada e racional da escola pública para que ela possa atender a toda a população escolarizável, em todos os níveis.

- construção de prédios adequados que possam atender às necessidade de todos os serviços da escola: administrativo, pedagógico, esportivos, culturais e de lazer.(PRAIS, 1990, p.79-80).

Alguns aspectos são essências 
na efetivação da função da escola pública:

- a administração colegiada pode ser entendida como fenômeno educativo, pois “propicia a vivência democrática para a participação social e o exercício da cidadania” (PRAIS, 1990, p.82). E continua,
a administração colegiada, ao se efetivar como prática democrática de decisões, deve ser capaz de garantir a participação de todos os membros da comunidade escolar, a fim de que assuma o papel de co-responsáveis no projeto educativo da escola, e, por extensão, na comunidade social [...] é na prática que se gesta a consciência. Assim, através da prática da administração colegiada, a comunidade escolar vivencia situações de cidadania próprias da dinâmica social e do papel do cidadão nessa dinâmica (PRAIS, 1990, p.82).
- a administração colegiada contribui para a recuperação da função da escola pública enquanto popular, pois a democratização das relações exige que a comunidade participe das decisões a respeito da proposta educativa a ser concretizada, visto que a administração colegiada se firma na decisão coletiva. Segundo Prais (1990, p.84), “o educador não esgota seu papel na transmissão e elaboração do saber sistematizado, cabendo também a ele preparar a classe trabalhadora para assumir o papel de classe dirigente, antes de tornar-se governante”. Assim, a administração colegiada torna-se instância de mediação de uma prática pedagógica e política.

- a administração colegiada tem sentido político, no contexto de uma concepção democrática de administração, como participação co-responsável, que favorece a experiência coletiva ao efetivar a socialização de decisões e a divisão de responsabilidade. “A participação constitui-se, pois, em elemento básico de integração social democrática. Participação e democracia têm assim uma significação indissociável” (PRAIS, 1990, p.84).

E continua, “ao se firmar como prática política essencialmente democrática, a administração colegiada preocupa-se em instituir uma forma de organização escolar que supere os conflitos através da síntese superadora resultante das convergências e sintonias dos diferentes grupos que integram a escola, através da participação coletiva”.

- a administração colegiada recupera a significação da tarefa do diretor de escola enquanto líder do processo educativo, dando-lhe condições de compatibilizar as exigências burocráticas-administrativas das instâncias superiores do sistema escolar com o conteúdo educativo a ser desenvolvido no interior da escola, conciliando a competência técnica à clareza política, numa coordenação que possibilite aos interesses coletivos sobrepujarem os individuais.

- explicitação do sentido da proposta de eleição do diretor de escola, a qual, por si só, não é sinônimo de democratização escolar, pois deve se considerar a maneira como será exercida esta função, que assume dimensão de responsabilidade política em equilíbrio com a competência técnica, o que exige que o provimento do cargo obedeça a critérios de civilidade e legitimidade.

Ainda para Prais (1990, p.58), “o colegiado constitui-se portanto num instrumento de ação coletiva nas escolas estaduais, devendo ser entendido não apenas como auxiliar de direção, mas como órgãos de tomada de decisões em todos os níveis, para que o exercício da democracia possa ser viabilizado também nas escolas”. E continua, “colocada nestes termos, a administração colegiada exige uma nova organização na escola e um novo compromisso por parte de todos os seus integrantes.

Compromisso que requer a participação de toda a comunidade escolar nas decisões do projeto educacional da escola”(p.60).

Diante dos fatores expostos, espera-se clarificar a reflexão “do como, porquê e para que a administração colegiada pode ser considerada como um fator de combate à seletividade, discriminação, desqualificação e fragmentação do trabalho escolar” (PRAIS, 1990, p.87).
Para Rodrigues (apud PRAIS, 1990, p. 63),
O colegiado constitui-se em um projeto que devemos assumir para a construção de uma ‘nova escola’. Não devemos esperar, ingenuamente, que a sua simples instalação produza, de imediato, todos os efeitos práticos e políticos esperados. O caminho para a mudança será construído e reconstruído no dia-a-dia, à medida que vamos compreendendo os problemas educacionais.
Prais (1990, p. 77), correlaciona a administração colegiada com a prática pedagógica, aspecto fundante do projeto político-pedagógico, como
prática que, efetivando a co-gestão e o diálogo, propicie a oportunidade de um repensar contínuo da prática pedagógica, procurando efetivá-la de forma qualitativamente adequada à realidade e à época atual [...] uma administração que oportunize a troca de experiências, conhecimento da realidade, uma prática colegiada de decisões, estaria comprometida com a busca de uma Proposta Pedagógica adequada ao momento atual [...] acredito que através de um administração e de um corpo docente arrojado, comprometido e conhecedor dos fundamentos desse tipo de administração, a prática pedagógica seria qualitativamente adequada à realidade atual, pois estaria propiciando condições de se atender aos reais interesses das camadas populares.
PRAIS, Maria de Lourdes Melo. Administração Colegiada na Escola Pública. 2.ed. Campinas, SP: Papirus, 1990. 110 p. (Coleção Magistério: formação e trabalho pedagógico).

Nenhum comentário:

Postar um comentário