Páginas

06/06/2018

PANORAMA DAS POLÍTICAS SOCIAIS E EDUCACIONAIS E A REFORMA DO ESTADO – 1ª parte

por Maria Ângela Paié Rodella Innocente[1]

Estado, capitalismo, cidadania e educação estabelecem entre si relações complexas que envolvem o poder, o conflito, os processos de decisão.

As políticas sociais são opções políticas que emergem do conflito entre acumulação e satisfação de necessidades sociais, bem como a promoção da igualdade. No entanto, o padrão de acumulação impõe restrições à política social.

A fim de melhor entendermos o contexto em que se inserem as políticas sociais, dentre elas a política educacional, discorremos sobre elas e a reforma do Estado. Inicialmente, discutimos tal conformação em âmbito mundial.

O contexto mundial no qual o Brasil se insere
A partir dos anos 60, o modelo de desenvolvimento econômico acentuado do capitalismo entrou em crise prolongada. Esse modelo caracterizava-se por um Estado bastante presente na economia, visando garantir a reprodução da força de trabalho, destinando-se grandes recursos estatais para a economia e investimentos em políticas sociais, como saúde, educação, previdência social e também, diminuir as tensões sociais no pós-guerra. Tal padrão de acumulação funcionou adequadamente num contexto de elevado dinamismo econômico e estabilidade social, baseado na capacidade de gerar empregos e aumentos de salários, bem como dos gastos públicos (PEREIRA, 1997; MINTO, 2005).

No entanto, as bases econômicas foram se alterando, incorporando progressos científicos e tecnológicos, o que, somado a outras mudanças no cenário mundial, alterou a lógica de acumulação que se tornou menos dependente da força de trabalho utilizada na produção. O padrão de financiamento público da economia tornou-se excessivo para as finanças do Estado, com o crescimento populacional e independência da economia em relação à mão-de-obra em larga escala.

No Estado de bem-estar social, com a construção do pleno emprego, mediante a intervenção do Estado, produziu-se artificialmente a equilibração entre oferta e consumo, com alto grau de organização dos partidos políticos e sindicatos vinculados aos trabalhadores. A partir da década de 1970, o mercado dá sinais de esgotamento, com desemprego e inflação em elevação, fragilizando o modo de acumulação fordista (SILVA JR., 2002).

As décadas de 1960 e 1970 foram de crise, em que os Estados nacionais perderam seus poderes econômicos. Com a crise, expandem-se a miséria e o desemprego. O ritmo de crescimento dos orçamentos públicos não era mais capaz de atender às demandas sociais.

Nos países mais pobres, as tensões sociais associadas à crise ampliaram-se, levando a uma redução no padrão de vida da maioria da população, desemprego, aumento da inflação, gerando problemas econômicos estruturais, alterando as relações entre trabalho e desemprego.

Desmonta-se o Estado de bem-estar e seu pacto social, num contexto de mundialização do capital, que necessita expandir-se para superar suas crises. Intensificam-se as mudanças para a construção de um novo pacto social, realizando-se reformas do Estado que afetam a cidadania e a educação. O capital financeiro expande-se e desloca-se para outras esferas sociais. Os sindicatos enfraquecem, o que dificulta sua mediação entre a sociedade e o Estado, enquanto o capital em processo de mundialização fortalece-se e busca a reorganização social (SILVA JR., 2002, p. 9-31).

As instituições públicas enfraquecem e emergem os organismos globais, com poder político e econômico, sob hegemonia do capital financeiro, como o BM, o FMI, a OMC, voltados para a consolidação da nova forma de capitalismo (SILVA JR., 2002, p. 57-58).

A esfera pública restringe-se, a privada expande-se numa nova regulamentação diferente daquela do Estado de bem-estar social. O Estado nacional, forte, pouco intervém no econômico e no social. Porém, é forte para produzir políticas sobre as atividades de Estado, e pouco interventor, porque sob ideologia neoliberal, transfere responsabilidades para a sociedade civil, fiscalizando-as, avaliando-as e financiando-as, sob a égide de políticas influenciadas pelas agências multilaterais. “O poder regulador, sob a forma do ‘político’, é agora o poder econômico macro gerido pelo capital financeiro” (SILVA JR., 2002, p. 32).

Restringe-se a esfera social da cidadania, em favor da acumulação do capital. O Estado mostra-se democrático em relação ao social, quando transfere os direitos sociais para a responsabilidade da sociedade civil, denominando tal transferência de descentralização, mas mantendo seu núcleo central, como Estado gestor, que já definiu as políticas sociais sob orientação do econômico.

Daí derivam direitos sociais mercantilizados pelas organizações não-governamentais, planos de saúde e previdência privada e a educação torna-se um quase-mercado, adaptando-se a escola à flexibilização e à racionalidade, características do capitalismo. Conforme discorre Le Grand (1991, apud AFONSO, 2001, p. 115), o quase-mercado substitui o monopólio dos fornecedores do Estado por uma diversidade de fornecedores independentes e competitivos. No entanto, diferem dos mercados convencionais em aspectos importantes: competem por clientes, mas não visam necessariamente a maximização dos lucros; o poder de compra dos consumidores não é necessariamente expresso em termos monetários e, em alguns casos, os consumidores delegam a certos agentes sua representação no mercado.

O processo de reforma do Estado, em atendimento às necessidades econômicas, implica a supressão do Estado de bem-estar social produzindo uma reforma na educação, utilizando-se de algumas concepções pedagógicas e teorias educacionais como suporte, ou seja, legitimam-se as reformas por meio da ciência e da técnica.

Tem-se um Estado reprodutor do capital, com a iniciativa privada substituindo o governo, tornando-o eficaz, eficiente e capaz de dar rumos à sociedade, enquanto na área social transformou-se em um Estado forte, centralizador e avaliador, o qual é “um Estado forte no âmbito interno e submisso no plano internacional” (SILVA JR., 2002, p. 49).

Draibe (1997) alerta para as dificuldades do estabelecimento de prioridades no interior da política social, pois mesmo o caráter universal não impede distorções, como o acesso de grupos já privilegiados da população aos bens disponibilizados, em detrimento dos mais necessitados. Propõe, na agenda de reformas da política social na América Latina, políticas de erradicação da pobreza e a busca de concepções alternativas de reorganização da proteção social – alternativas aos modelos vigentes de justiça social e redistribuição de riqueza, pois a América Latina vem sofrendo um processo de deterioração dos serviços sociais públicos, além do empobrecimento da população. A autora ainda discute novas formas de solidariedade social, por meio de mutirões, entendidas como políticas emergenciais de enfoque seletivo e compensatório. Os menos pobres deverão recorrer às ofertas do mercado. Tal configuração do Estado representa o modelo do Estado mínimo.

Sobretudo a partir dos anos 90, as políticas públicas têm um caráter transnacional, existindo uma Agenda Globalmente Estruturada para a Educação, como nos mostra Dale (2000, p.133). Assim, uma nova forma de força supranacional afeta os sistemas educativos nacionais. A economia capitalista mundial funciona como a força diretora da globalização e, embora mediada pelo local, atua sobre os sistemas educativos.

Na abordagem da Agenda Globalmente Estruturada para a Educação, a globalização é vista como sendo caracterizada por hiper-liberalismo, governação sem governo (as regulações são feitas pelo mercado) e mercadorização e consumismo (DALE, 2000).

A crise do Estado levou a questionamentos sobre a intervenção estatal nos setores sociais, dentre eles, a educação, considerando assim, que o Estado não conseguiu atender de forma eficiente aos serviços educacionais. Nesse cenário, discutimos o contexto brasileiro[2].

[1] Mais discussões e bibliografia completa podem ser encontradas no livro da autora “Participação e avaliação: Relações e Possibilidades – Uma análise sobre a atuação do Conselho de Escola no Projeto Pedagógico e a Avaliação de Sistemas” (2011). Pode ser adquirido nas livrarias Martin Fontes, Cultura e Asabeça.
[2] Será abordado em continuidade, em próximo texto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário