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05/07/2018

REVISITANDO O “ESPECIAL ECA 25 ANOS”


(...) anote-se que nenhuma lei, por melhor que seja, pode substituir o substrato econômico e social que falta à maioria da população brasileira. Contudo, a lei pode ser concebida levando-se em conta os interesses de seus destinatários, como um instrumento de transformação social, como garantia de possibilidades, de sorte que a ação transformadora possa nela buscar respaldo.
Paulo Afonso Guarrido de Paula


A Lei

Para entender uma lei, precisamos contextualizá-la, entender sua trajetória histórica. Nenhuma norma legal nasce do nada, ela é o resultado final de um processo e traz em seus artigos, incisos etc., uma intenção, um desejo de garantir a todos os cidadãos e cidadãs a apropriação dos princípios e normas que regem a Nação, dos seus direitos e deveres.

A semana do “Especial ECA 25 anos”, como forma de dar visibilidade aos princípios que regem a lei, começa com a sua história. O ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente - foi implantado em 13 de julho de 1990, pela Lei Federal nº 8.069, em obediência ao artigo 227 da Constituição Federal. 

Sua construção demandou muita discussão e participação e, foi na década de 80, com o fortalecimento dos movimentos organizados da sociedade, que ele começou a tomar forma, quando, em 1986, diversas organizações não governamentais se uniram para formar a Frente Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente. 

O entendimento de que a criança e o adolescente são sujeitos de direitos, presentes na Constituição Federal, e a pressão dos movimentos populares resultaram na elaboração, por diversos segmentos da sociedade civil organizada, do então Projeto do Estatuto da Criança e do Adolescente. O projeto, com algumas alterações, foi instituído pela Lei nº 8.069/1990, o ECA, que tem os seus princípios ancorados na nossa Carta Magna, na Convenção das Nações Unidas a respeito do Direito da Criança e do Adolescente e nos movimentos populares do Brasil. 

Crianças e adolescentes: sujeitos de direitos 

O Promotor de Justiça, Dr. Antonio Carlos Ozório Nunes, na sua fala, destaca a importância do ECA porque trouxe mudanças perceptíveis como a de valores e as referentes à uma nova estrutura de atendimento, bem como mudanças de valores imperceptíveis, a do olhar para nossas crianças e adolescentes na perspectiva do cuidado, da proteção e do não preconceito. 

A ideia de mudança de paradigma é retomada pela Professora e Advogada, Dra. Patrícia Gorisch, quando aponta que o Estatuto afirma apenas os direitos que todas as pessoas têm, na medida em que a criança passou a ser vista como pessoa, diferentemente do ordenamento legal anterior que a entendia como objeto. 

A Psicóloga Judicial Rosilene Miranda Barroso da Cruz, em seu artigo que se intitula: 
"Proteção integral?” ao tratar da questão lembra: No século XX, o distante – nem tanto assim – ascendente do Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Menores (1927), incorporou “tanto a visão higienista de proteção do meio e do indivíduo como a visão jurídica repressiva e moralista” (Faleiros, 1995, p.63)1. O Código de Menores promoveu uma consolidação da diretriz assistencial e de ‘proteção’ à infância incapaz e perversa; um controle da infância abandonada; uma visão repressora para a garantia da ordem e moral; a tentativa de reabilitação do delinquente e a definição da Situação irregular: crianças que não eram de boa família, as abandonadas que viviam nas ruas, os filhos ilegítimos. 
Ao contextualizar o advento da Lei Federal nº 8.069/1990 no contexto da democratização do país, a Defensora Pública, Dra. Bruna Ribeiro Nunes, destacou uma das concepções que perpassa todo o Estatuto, a do protagonismo das crianças e adolescentes. Então vejamos. Quando nós, educadores, comprometemo-nos a incentivar o protagonismo, o fazemos porque sabemos que ele é fundamental, pois só assim o estudante, sujeito da sua aprendizagem, construirá a identidade, decidirá o “como” intervir no mundo e se comprometerá com suas escolhas. O que nos leva à necessidade de “pensar” o ECA considerando a história do nosso país e suas leis maiores, inclusive, a Lei de Diretrizes e Bases que retoma os princípios estabelecidos pelo Estatuto. 

A rede de proteção 

A Lei Federal nº 8.069/1990 introduz outra novidade, no que diz respeito à estruturação das políticas voltadas à infância e adolescência no Brasil: a criação de conselhos, como os de Direitos e os Tutelares. Ambos têm como objetivo envolver a sociedade na proteção aos direitos da criança e do adolescente, juntamente com a sociedade, o poder público e a família. Entretanto, essa conquista não foi plenamente implantada, como afirma a Conselheira Tutelar da região de Santo Amaro, Rudnéia Alves Arantes, ao responder à pergunta: o Conselho atua de forma plena?: 
Infelizmente não, pois mesmo prestes a completar 25 anos do ECA, existem muitas distorções nas atribuições, tanto por conselheiros tutelares quanto pelo SGD (Sistema de Gestão do Desempenho) e sociedade. É grande a NÃO OFERTA ou OFERTA IRREGULAR dos Serviços da Proteção Social Básica e Especial - CRAS/CREAS; é preciso padronização dos CTs (estruturas física e administrativa); formação continuada para os conselheiros tutelares, bem como para toda a rede do SGD; processo de escolha que permita a sociedade eleger de fato pessoas que tenham afinidade com o ECA, com compromisso e dedicação pela causa. 
Apesar da necessidade de mudanças, como as apontadas acima, a Dra. Patrícia Gorisch, com relação à atuação do Estado para garantir atendimento à saúde, afirmou que o ECA trouxe um diferencial para a vida das crianças tornando obrigatório o atendimento pelo médico especialista (pediatra) e uma medida revolucionária: a possibilidade da criança ser acompanhada durante a sua permanência no hospital. 

O Professor e Advogado, Dr. Claudio Hortêncio da Costa, por sua vez, acentuou a importância da obrigatoriedade/garantia do pré-natal, instituindo o cuidado à saúde do bebê e do nascituro. 

O Estatuto trata do direito que crianças e adolescentes têm à liberdade, ao respeito e à dignidade, reafirmando o disposto na Constituição, LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e outros documentos, inclusive internacionais, como a Declaração de Salamanca, entendendo-os como sujeitos e não objetos ou adultos em miniatura.

Como bem explicou a Defensora Pública, Dra. Mara Renata da Mota, o ECA garante às crianças e adolescentes o gozo de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana e assegura, por lei, todas as oportunidades e facilidades, para que eles possam desenvolver-se física, mental, moral, espiritual e socialmente. Para ela, esses ideais ainda não se tornaram totalmente realidade, se analisarmos o que acontece hoje quanto à obrigatoriedade da não exposição das crianças e adolescentes, que não está sendo garantida nem pela família, sociedade ou imprensa, ressaltando, ainda, os problemas acarretados por essa omissão.

O problema da não aplicação total do Estatuto é tratado pelo Deputado Estadual Carlos Giannazi, quando lembra que, por lei, a educação é direito de todas as crianças e jovens e, em escolas próximas à residência, condição negada, como prova o relatório do movimento “Todos pela Educação”, ao mostrar que 2,8 milhões de crianças e jovens encontram-se fora da escola.

Todos os entrevistados manifestaram-se contra a diminuição da maioridade penal. A Dra. Bruna Ribeiro Nunes referiu-se àqueles que trabalham com jovens e adolescentes, pois eles sabem perfeitamente que as crianças e adolescentes são muito mais violados em seus direitos, do que são violadores. O Dr. Antonio Carlos Ozório Nunes, a respeito do assunto, lembrou que muitos países voltaram atrás com relação à diminuição da maioridade penal. 

Também, unanimemente, em diferentes momentos, todos afirmaram que as pessoas criticam no ECA justamente aquilo que não foi cumprido pelo poder pú blico, sociedade e família. 

Para terminar, convido nossos leitores a fazer uma reflexão, sem pré-conceitos, pré-julgamentos, lembrando que o ECA defende todas as nossas crianças e adolescentes, sem esquecer o que a História nos ensina: 
O Brasil foi impiedoso com crianças e adolescentes: na colonização, com a aculturação imposta às crianças indígenas pelos jesuítas; no período imperial, com a segregação e a discriminação racial na adoção dos “enjeitados”: infanticídio disfarçado pela Roda dos Expostos e com os movimentos higienistas do século XIX, que já creditavam à infância e adolescência desvalidas a responsabilidade pelo caos social. (Rosilene Miranda Barroso da Cruz). 
Convido-os também a visitarem o portal da nossa entidade para ler e ouvir na íntegra os convidados, a fim de captar toda a riqueza de suas análises a respeito do Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA.
_____________________________
1. FALEIROS, V. P. Infância e processo político no Brasil. IN: PILOTTI, F; RIZZINI, I. (ORG). A arte de governar crianças: a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância do Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Interamericano del Nino, 1945, p. 49, 98.

Redação: Mara Claudia de A Viana Junqueira Revisão: Antonia Amorim Alves Especial idealizado pela Professora Maria Claudia de A. Viana Junqueira, com a participação de integrantes da SECOM: o jornalista Leandro Silva e a equipe da TVCPP.

O “Especial ECA 25 anos” você pode ler e assistir na íntegra em: www.cpp.org.br/eca



Matéria extraída do "Jornal dos Professores" - Publicação do Centro do Professorado Paulista - Ed. Agosto de 2015 n. 458, p. 9.

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