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19/09/2018

RESENHA TEXTO DE LICÍNIO C. LIMA: INVESTIGAÇÃO E INVESTIGADORES EM EDUCAÇÃO

Investigação e Investigadores em Educação: Análise Crítica

Licínio Lima

É um texto muito bem elaborado, que penetra profundamente no tema em questão, apresenta riqueza de detalhes e argumentos muito convincentes. A exposição do assunto por ele realizada é uma expressão do atual contexto econômico social onde estamos inseridos que é profundamente marcado pela globalização neoliberal. Esta globalização aparece como uma nova forma de acumulação capitalista, é fortemente internacionalizada, luta pela desvinculação das amarras políticas, visa submeter a sociedade à lei do valor e se ancora no pressuposto de que a forma ideal de organização da sociedade é a que vigora nas relações mercantis.

Trata-se de um escrito bastante atual haja vista que nesta semana o G1 Globo publicou o levantamento anual produzido pela empresa QS o qual apresenta um ranking de empregabilidade de graduandos. Ele indica as universidades mais bem vistas pelos recrutadores de recém-formados, pois o perfil deles atende aos interesses do mercado. MIT, Stanford e Havard são consideradas as mais importantes nos Estados Unidos. Cambridge e Oxford na Europa. Em nosso pais a USP ocupa o lugar 67 e a Unicamp o lugar 231.

No que diz respeito à realidade brasileira este artigo toca-nos de maneira tímida, haja vista que o empresariado nacional investe pouquíssimo em pesquisa. Por sua vez o intercâmbio entre nossas universidades e o setor produtivo é muito acanhado. Mencione-se ainda que pesquisa realizada este ano pela Federação das Indústrias do Estado de S. Paulo mostrou que o primeiro setor da economia brasileira é majoritariamente ancorado na segunda revolução industrial. Nosso parque industrial encontra-se distante da terceira revolução industrial e muitíssimo longe da quarta.

Por ser um artigo que trata da relação entre educação e sociedade ele exige que recorramos às Teorias Educacionais para identificar o pressuposto que fundamenta esta relação no momento atual.

Um retorno à história da educação nos permite vislumbrar que a Teoria Funcionalista sustentadora da educação até meados do século passado sempre teve como princípio básico que tudo o que acontece no interior das escolas, particularmente o processo formativo, deve se adequar às exigências da vida em sociedade. De acordo com tal princípio tanto o educador e principalmente o educando se apresentam como entes profundamente condicionados pelas circunstâncias, como seres que inclinam-se a responder harmonicamente aos requerimentos sociais.

Nos dias de hoje esta teoria encontra-se profundamente abalada não só por causa das críticas recebidas pelos adeptos das concepções reprodutivistas, mas principalmente pela emergência da Teoria Pós-Moderna que concede aos indivíduos o poder de decidir a respeito de seu enquadramento na sociedade por meio da elaboração de projetos de vida. Apesar de cancelar o relevo do polo sociedade e instituir o relevo do polo indivíduo a situação permanece inalterada, pois de uma forma ou de outra o ajustamento tem que ser realizado.

Embora o autor não faça este tipo de análise podemos inferir que ele não é favorável à ideia de ajustamento da educação a certos requerimentos sociais. Alguns trechos de seu artigo se inclinam a sustentar esta inferência. Logo na introdução ele fala sobre o risco da educação tornar-se servidora da inovação e da indústria do conhecimento. Frente a esta real possibilidade ele insiste que devem ser discutidas as diversas orientações que afetam a investigação e os investigadores em educação. Na conclusão ele se coloca contra a concepção instrumental das ciências da educação e expõe que os professores não devem aceitar passivamente os critérios de avaliação que são unilateralmente impostos. Prega ainda a autonomia dos pesquisadores, a solidariedade e a não rivalidade.

Pensamos que este posicionamento assumido por Lícinio é muito relevante e necessário, porém não suficiente. Reações defensivas circunscritas ao âmbito interno do grupo precisam ser articuladas com ações externas. A esse respeito mencionamos como exemplos as passeatas realizadas este ano por pesquisadores em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, em defesa da ciência. Nos dias de hoje verifica-se em nosso país o aparecimento de pesquisadores candidatos a cargos eletivos no pleito de outubro e caso sejam eleitos poderão formar a bancada da ciência.

Destacamos também que o autor não fez referência à fragilidade desta concepção instrumental no âmbito da globalização neoliberal. Com efeito, o estágio atual do capitalismo traz em seu bojo uma contradição acirrada. A ciência e a técnica estão contribuindo de modo pujante e crescente para o acelerado aumento da produtividade e da diversidade de novos produtos. Porém, simultaneamente, está provocando, de maneira paulatina, a redução da capacidade das pessoas consumirem haja vista o avanço do desemprego causado pela automação. A gravidade deste fato tem levado governos a instituírem a redução da jornada de trabalho como forma de tentar garantir o direito ao trabalho a todos. Em algumas nações já se encontra em curso programas de renda mínima.

Observamos ainda que Licínio se diz contrário ao enclausuramento no estudo e na procura de soluções para problemas imediatos dentre os quais cita o ``déficit de qualificações´´ e os ``melhores métodos de gestão´´. Concordamos com ele a esse respeito, pois como um profissional eminentemente reflexivo o pesquisador também deve empregar sua faculdade racional em assuntos relacionados à pesquisa básica ou teórica bem como ao exame de questões pertinentes à metodologia e à epistemologia conforme pleiteia porquanto são muito relevantes. Entretanto não o vimos declarar que todo pesquisador deve dedicar uma boa parte de seu tempo à investigação de temas e problemas relativos à vida das pessoas menos favorecidas da sociedade as quais continuam sofrendo cada vez mais por causa do avanço da globalização neoliberal.

Acrescentamos finalmente que ele parece ter inserido duas ideias conflituosas em seu texto. Tal como já dissemos Licínio se posiciona contra a concepção instrumental da ciência da educação com vistas ao atendimento do mercado. Esta posição leva em conta o fato de que muitos professores pesquisadores bem como muitos alunos formados nas universidades encontram-se realizando ações em seus postos de trabalho congruentes com as exigências do mercado. Estão atuando, portanto, a favor do avanço da globalização neoliberal. Consequentemente aparecem agindo na realidade circundante de acordo com seus requerimentos.

No entanto ele diz na página 68 que não partilha da crença ingênua referente ao poder da educação para transformar a própria educação, a economia e a sociedade. Ele não esclarece o sentido da expressão ``crença ingênua´´. Mesmo que ele explicitasse seu sentido seria muito difícil sustentar esta assertiva em função do que foi dito no parágrafo anterior. Supomos que o problema desta afirmativa encontra-se no modelo de cosmovisão que adota.

Pensamos que ele vê a realidade composta de esferas singulares e autônomas e não como instâncias que se entrelaçam. Nesta concepção de entrelaçamento qualquer mudança em uma determinada instância implica em possíveis alterações nas demais. Assim sendo quando na escola os alunos adquirem conhecimentos, habilidades e atitudes a sociedade se modifica. Da mesma forma quando os formandos adentram ao mercado de trabalho e ganham mobilidade social ocorre transformação social. Ainda nesta linha de pensamento quando as escolas preparam cidadãos ativos eles se mostram capazes de exibir condutas de protagonismo em suas comunidades. Estas alterações pontuais em crescimento paulatino podem contribuir significativamente para gerar não apenas mudanças conjunturais, mas também alterações estruturais. Acrescente-se ainda que embora indivíduo e sociedade sejam entidades distintas um não existe sem o outro.

Enfim, parece-nos que o texto do Lícinio se aproxima bastante do gênero descritivo explicativo. Vale acrescentar que nesta aproximação ele ganha um notório destaque pela elevada qualidade de seu conteúdo. Entretanto, tal como uma parte significativa dos textos publicados por professores e pesquisadores da educação de todos os locais do mundo o artigo do autor em pauta pode ser encaminhado rumo à décima primeira tese de Marx sobre Feuerbach a qual diz que ``os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes, a questão é transformá-lo´´.

Pirassununga, 13 de setembro de 2018

Antonio Carlos Will Ludwig

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