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13/11/2018

RESENHA: ELEMENTOS DE HIPERBUROCRATIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO EDUCACIONAL

ELEMENTOS DE HIPERBUROCRATIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO EDUCACIONAL
Licinio Lima
Por Antonio Carlos Will Ludwig

É um excelente texto sobre a burocracia em seu sentido genérico e em seu sentido especial, isto é em relação à educação. Dotado de elevada erudição, bastante didático e carregado de elementos ilustrativos este escrito tem o mérito de esclarecer muito bem o modo pelo qual a burocracia se manifesta nos dias de hoje.

Assentado em vasta fundamentação teórica, particularmente nas obras de Weber, o artigo em questão tem por uma de suas principais finalidades demonstrar a atualidade do pensamento deste eminente sociólogo alemão que desenvolveu seus estudos sobre o fenômeno burocrático entre fins do século dezenove e início do século vinte.

Uma das ideias importantes contidas no artigo é a distinção que faz entre a ``burocracia clássica, mecânica e formalista, ainda marcada pelo peso dos processos tradicionais de mediação e pela lentidão das comunicações´´ e a burocracia ``mais fluída, dotada de maior plasticidade, admitindo certos graus de articulação débil e de incerteza, ou indeterminação´´. Segundo ele, estas peculiaridades integram a hiperburocracia.

A hiperburocracia, de acordo com Licínio, apesar de alterar algumas características da modalidade clássica analisada por Weber, atualiza a concepção deste pensador. E é tal forma burocrática que ele diz predominar tanto nas organizações privadas quanto nas públicas, em especial nas instituições educativas.

Ao asseverar a presença marcante da hieperburocracia na atualidade Lícinio desconstrói uma das teses principais dos pós-modernos relativa à decadência da modernidade, excluso o papel desempenhado pela razão crítica que eles não colocam na berlinda, quando diz que ``a prescrição da eficiência, da produtividade e da competitividade, à luz da racionalidade instrumental...não passou de moda. Em reforço a esta afirmação ele cita Bauman o qual diz que tal prescrição emerge como uma ``compulsiva e obsessiva, contínua, irrefreável e sempre incompleta modernização´´.

Esta hiperburocracia, segundo o autor, encontra-se bem sintonizada com o capitalismo da globalização neoliberal. Com efeito, tal forma de racionalização, incorporadora das novas tecnologias, adequadamente integrada à sociedade do conhecimento e devidamente ajustada à reduzida presença do Estado na esfera econômica atende aos interesses do capital que, prioritariamente, almeja concretizar um processo administrativo caracterizado pela execução descentralizada e decisões centralizadas acompanhadas da coordenação, da monitorização e do controle das atividades executivas. A sintonia em questão nos autoriza a especular sobre as possíveis explicações relativas ao intercâmbio entre a burocracia tradicional juntamente com a hiperburocracia e o capital.

Segundo Licínio ``a burocracia é indispensável ao desenvolvimento da produção capitalista´´. Esta assertiva é consoante ao pensamento de Weber quando este disse que o ``capitalismo racional moderno constituía a base econômica mais racional para a administração burocrática em grande escala´´. Também é consoante a outra afirmação sua referente à `´variedade monocrática de burocracia´´ considerada `´formalmente o mais racional meio conhecido para exercer a dominação sobre os seres humanos´´. Licínio, fundamentado em Albrow, fortalece os dizeres de Weber ao afirmar que ``se assistirá ao declínio da liberdade e onde a democracia e os líderes políticos legítimos passarão a estar em perigo´´.

Ao se referir à administração burocrática em grande escala Weber acrescenta ``que uma forma política e organizacional socialista não alteraria nos seus traços mais importantes´´. Tal assertiva pode ser questionada se levarmos em conta não o socialismo real já praticado em alguns países mas o modelo de socialismo proposto por Marx, Gramsci e Poulantzas que se baseia na superação da democracia indireta e representativa pela democracia direta e participativa. Considerando que nesta última as decisões seriam tomadas de modo coletivo a presença de uma burocracia parece não ser necessária. Entretanto, caso venha a existir, por questão de compatibilidade, ela não deverá contrariar a maneira democrática de tomar decisões e realizar ações.

As colocações feitas anteriormente nos permite inferir que a burocracia, apesar de favorecer o capital, apresenta-se como uma entidade dele separada, ou seja, como um segmento dotado de elevado nível de autonomia. Tal entendimento da burocracia é confirmado em uma importante obra de Weber intitulada Parlamentarismo e Governo Numa Alemanha Reconstruída, a qual, curiosamente, não é mencionada no artigo em questão, quando ele diz que ``num Estado moderno necessária e inevitavelmente a burocracia realmente governa´´.

Acrescenta a seguir que este governo se dá ``através da rotina da administração´´. Vista dessa forma, a burocracia, numa sociedade estratificada como a nossa, emerge como uma categoria social que é compreendida como um grupo organizado que se encontra indiretamente relacionado ao processo produtivo ou dele permanece afastado.

Esta versão weberiana de burocracia, devidamente seguida por Licínio, diverge totalmente da concepção assumida no marxismo, particularmente em Gramsci e Poulantzas. Embora a ideia de categoria social continue valendo, a versão marxista expõe que os agentes integrantes da burocracia normalmente são oriundos dos setores burgueses da sociedade. Embora este pertencimento seja relevante vale mais a realização das funções de classe que exercem , as quais estão relacionadas à ideologia e à repressão, pois são elas que de modo efetivo os tornam parte dessa classe.

Assim sendo, a relativa autonomia da burocracia no marxismo não faz referência a qualquer significado de ação original, própria e independente, desvinculada dos interesses pertinentes aos setores dominantes da sociedade porquanto seus integrantes compartilham das mesmas concepções, ideias e valores específicos destes setores. Em outras palavras, e de modo sintético, a burocracia segundo o marxismo emerge como um mero instrumento da burguesia, a classe que realmente governa.

Sendo um sociólogo de perfil liberal Weber não poderia deixar de adotar uma visão de mundo que é própria dos liberais. Nesta cosmovisão o indivíduo antecede a sociedade e apresenta-se mais real que ela. A pessoa é vista como um ente solitário, fechada em si mesma, enclausurada em sua subjetividade. Seus interesses e aspirações são postos acima de tudo e sua liberdade encontra-se próxima da plenitude. Perante o conjunto isolado de indivíduos o Estado emerge como uma entidade orgânica, constituído para realizar as aspirações comuns de todos os seres humanos. Em tal visão não cabem as ideias de classes sociais antagônicas, domínio de uma delas sobre outra, hegemonia ideológica, Estado burguês e outras que são específicas do pensamento marxista.

Ao se referir à hiperburocracia que é praticada na área da educação portuguesa Licínio faz colocações bastante apropriadas. Uma das mais importante delas diz respeito ao protagonismo da denominada gestão eficaz, caracterizada pela alta racionalização, competitividade, produtividade, contratualização e mercadorização. A outra, se refere à decadência do estilo democrático devido ao progresso da gestão eficaz. Observamos que é possível que em outros países europeus e nos Estados Unidos ela também esteja vicejando graças ao avanço da globalização neoliberal.

É muito importante também sua menção ao fato de que, por causa do realce concedido à gestão eficaz esteja ocorrendo um menosprezo à ``educação para a cidadania democrática´´. Quanto a isso se sabe que a gestão democrática é um recurso muito valioso para a formação do cidadão ativo porque tende a fazer com que os alunos se envolvam com processos decisórios coletivos os quais requerem a concretização de ações voltadas à comunidade escolar.

Derradeiramente Licínio aponta duas propostas para reverter a situação. Uma delas é a desburocratização e a outra é a descompetitivização. Quanto a ambas cabem observações. Tais propostas são apresentadas de maneira vaga, sem aprofundamento algum. Além disso elas se caracterizam por serem endógenas, o que confirma seu apreço para com a autonomia já abordada anteriormente. Isto parece dar a entender que é possível avançar rumo à gestão democrática apenas pela vontade e empenho dos profissionais da educação. Assim sendo, é esquecido ou não é levado em conta que a escola é uma instituição integrante e não apartada da sociedade, e apesar de ser condicionante é condicionada pelo contexto político e econômico onde se insere.

Enfim, o artigo em questão, tal como o outro anteriormente examinado tende a evidenciar que o autor de ambos se mostra como um excelente analisador e interpretador da realidade, mas, também, se apresenta como um bastante modesto propositor de medidas que contribuam para a solução dos problemas nela encontrados.

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