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14/05/2019

O SURPREENDENTE RETORNO DA EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA

(Antonio Carlos Will Ludwig)

Desde o ano de 2017, em redes escolares de algumas cidades de nosso país, estão sendo
elaboradas e implantadas propostas relativas ao ensino e à aprendizagem de moral e civismo. O
novo presidente eleito e seu vice já se manifestaram favoráveis a este ensino, bem como
defenderam a replicação de colégios militares em todo o país. Por sua vez o atual ministro da
educação asseverou que vai conceder prioridade à inserção da educação moral e cívica na grade
curricular. Recentemente, por meio de um decreto, foram criadas as escolas cívico-militares.
Este retorno inesperado causa muita surpresa haja vista que o último surto de moral e civismo
ocorrido entre as décadas de setenta e oitenta do século passado não deixou nenhum resquício
de saudade nos educadores. Se comparada às suas homólogas, a civic education norte
americana e a education for citizenship europeia verifica-se que este ressurgimento acontece de
modo tardio pois ambas existem há muito tempo.
Embora possa ser dito que esta volta se deve às intenções que são próprias dos atuais
governantes ou de que a mesma se mostra como uma reação ao estado de degradação ética pelo
qual passa nosso país atualmente, resultante da conduta desviante de muitos políticos em
conluio com setores do empresariado, não é válido asseverar que ambos os motivos são
suficientes e esgotantes. Com base no conceito de sobredeterminação acrescentamos a expansão
do neoliberalismo o qual desconsidera a esfera pública e se alicerça em valores que não se
coadunam com a formação moral pretendida tais como o individualismo, a competitividade e a
meritocracia, o avanço da globalização que está contribuindo para a crescente fragilização dos
estados nacionais em termos de sua autonomia e soberania e a impregnação do ideário pós-
moderno que propaga a concepção de que o comportamento moral é uma questão de foro
íntimo.
A educação moral e cívica é uma área situada no campo da formação política, especialmente
no que diz respeito ao preparo para o exercício da cidadania conforme prevê a finalidade da
educação inclusa na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Vale dizer que ela tem por escopo a internalização de certos valores imprescindíveis à vida em
sociedade dentre os quais se destaca o civismo, um dos mais importantes deles. Observe-se
que o comportamento cívico diz respeito ao ato de dedicação ao interesse coletivo por oposição
ao interesse particular.
Este ato tende a ocorrer no âmbito da esfera pública que é setor da vida em sociedade
acessível a todas as pessoas, onde predomina o interesse geral e a visibilidade e a transparência
são ampliadas significativamente. Nela valem o diálogo, a comunicação, o discurso, a
argumentação e a ação conjunta que pode se voltar para o objetivo de influenciar as decisões
políticas. Na esfera pública emerge a figura do cidadão ativo, ou seja, do indivíduo que não
aceita ser apenas governado porquanto seu desejo principal é ser governante. O cidadão ativo
além de lutar pelos seus direitos e interesses se empenha muito em ações individuais e grupais
beneficiadoras da coletividade, principalmente aquelas relacionadas aos direitos outorgados e
prioritariamente as que favorecem os segmentos desprivilegiados da sociedade.
A história da educação moral e cívica em nosso país revela que seu despontamento ocorreu
em fins do século dezenove através de um parecer emitido por Rui Barbosa. A partir daí
surgiram outros momentos específicos: na reforma proposta por Gustavo Capanema durante o
Estado Novo, no ano de 1945 quando apareceu incluída em uma Lei Orgânica, num decreto
emitido por Jânio Quadros no decorrer de sua administração, nas décadas de sessenta e setenta
do século passado durante os governos militares que a atrelaram à Lei de Segurança Nacional e
no ano de 1993 quando foi remetida para a área de Ciências Sociais e Humanas em caráter
optativo.
Apesar de ser bastante antiga e ter estado presente no decorrer de todo o processo evolutivo
da educação, constata-se que nossos professores nunca concederam a ela a atenção merecida.
Com efeito, as pesquisas e publicações sobre a mesma são bastante escassas, praticamente
inexistem propostas metodológicas específicas elaboradas e praticadas por eles e a atual reforma
do ensino, apesar de prever um conjunto de atitudes e valores que devem ser internalizados pelo
aluno quase nada dispõe para a área da formação cívica, excluso a Língua Portuguesa que traz
algumas proposituras. A Base Nacional Comum Curricular referente ao ensino médio é omissa
quanto ao tipo de cidadão a ser formado e, consequentemente, não delineia nenhuma estratégia
voltada ao seu preparo.
No decorrer do tempo, os profissionais da educação passaram a solicitar ou aceitar
contribuições nesta área advindas das Forças Armadas. No início do século vinte emergiram nas
Escolas Modelo e nos Grupos Escolares do Estado de S. Paulo os denominados batalhões
infantis que se mostravam muito semelhantes aos agrupamentos castrenses porquanto tinham os
militares como instrutores. Logo após o término da Primeira Guerra Mundial surgiu a prática do
escotismo, também sob a direção de militares. Ao seu lado foi introduzida a alcunhada linha de
tiro destinada aos alunos dos ginásios, escolas normais e profissionais. Em fins da Segunda
Guerra Mundial, e por ela influenciada, foi instituída a meta de forjar a consciência patriótica
dos alunos juntamente com o apreço ao dever militar. Oficiais das Forças Armadas foram
mobilizados para colaborarem. No decorrer dos governos militares foi instituída no Ministério
da Educação e Cultura a Comissão Nacional de Moral e Civismo cuja finalidade era a de fazer a
necessária articulação com as autoridades civis e militares em todos os níveis de governo com
vistas à implantação e manutenção da Doutrina da Educação Moral e Cívica.
Atualmente, além da pretensão de incluir a educação moral e cívica na grade curricular,
almeja-se também replicar em todo o país as chamadas escolas cívico-militares que dizem
respeito a um padrão de estabelecimento educativo civil semelhante ao modelo que é próprio
dos colégios militares. Tal instituição deve se assentar em valores cívicos, de cidadania e de
capacitação profissional segundo o decreto que as instituíram.
Em relação ao modelo de escola militar cabe destacar dois aspectos. Um deles se refere ao
estilo administrativo empregado. Este estilo aplicado em todos os setores das Forças Armadas
apresenta-se na forma de uma pirâmide em cujo ápice se encontra a autoridade máxima.
Caracteriza-se pela unidade de comando, pela autonomia operatória setorial e pela possibilidade
do uso de consultas aos subordinados hierárquicos. É considerado o estilo mais antigo e mais
simples que se tem conhecimento. Mostra-se apropriado para o desenvolvimento das atividades
rotineiras da caserna além de adequado à tarefa de mobilização e deslocamento de tropas tanto
na paz quanto na guerra. O segundo diz respeito à concepção didática adotada. Ela fundamenta-
se na pedagogia tecnicista que se assenta nos princípios da racionalidade, eficiência e
produtividade. Tal como o estilo administrativo, a pedagogia tecnicista é consoante aos
requerimentos das atividades militares as quais exigem profissionais dotados de elevado grau
de perícia e competência.
O estilo administrativo voltado às escolas civis é a gestão democrática que utiliza o processo
decisório baseado na busca do consenso ou no voto da maioria. Ela tem que ser posta em prática
porque é uma determinação constitucional referendada pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Esta forma de gestão contribui para a permanência do aluno na escola,
fortalece o compromisso com sua própria formação, confere ajuda ao desenvolvimento de várias
atitudes desejáveis e favorece o preparo para o exercício da cidadania ativa. A gestão
democrática é de fundamental importância para o amparo da continuidade e do vigor da
democracia social que, por sua vez, é essencial para a manutenção do Estado democrático, haja
vista que é muito difícil a sua sobrevivência no interior de uma sociedade, cuja maioria das
instituições não são gerenciadas de maneira democrática. Assim sendo, ela deve ser preservada,
fomentada, ampliada e jamais substituída. Quanto à pedagogia tecnicista, seu uso pode ocorrer,
porém não de modo massivo e exclusivo porquanto ela aloja a inverídica concepção da
neutralidade científica, não tem conexão com a proposta política de transformação social e retira
a autonomia do professor.
Levando em conta a ideia de sociedade educadora, que inclui o uso de múltiplos espaços
pedagógicos, pode-se dizer que estas observações não servem para obstaculizar os préstimos
oriundos das Forças Armadas ao ensino básico civil. Assim sendo na área da formação moral e
cívica pode haver uma importante colaboração delas. A deferência por parte dos militares à res
publica no interior da caserna é um evento que merece atenção. Com efeito, eles exibem um
notório zelo para com o patrimônio nacional. Assim sendo, os alunos civis, por meio de visitas
aos estabelecimentos militares, terão a oportunidade de observar a sua ocorrência. A área das
operações cívico sociais também é muito relevante. Neste caso, os alunos além de observarem
o trabalho humanitário por eles posto em prática podem participar como voluntários, haja vista
que o voluntariado se mostra como uma das principais atividades do cidadão ativo.
Na esfera do ensino profissional pode ocorrer outra importante contribuição. A esse respeito
é sabido que os estabelecimentos castrenses possuem em múltiplos locais de nosso país
instalações diversificadas e espaços apropriados que agregam técnicos especializados,
máquinas, aparelhos e equipamentos. Encontram-se, portanto, reunidos todos os recursos
necessários para o planejamento e o oferecimento de cursos profissionalizantes aos discentes do
ensino médio. Entretanto, é imprescindível destacar que tais cursos não devem ser organizados
com base na ideia de treinamento ensejada pela pedagogia tecnicista, que se volta apenas para a
capacitação especializada, que não considera a dimensão crítica do sujeito, que só tem em mira
o ajustamento dócil às exigências do mercado ocupacional e que se coaduna muito bem com a
ideia de cidadania passiva, e sim pautados pelo princípio da politecnia que valoriza a
competência técnica ampliada, em aproximação ao conceito de polivalência, que enfatiza a
internalização de um vigoroso senso crítico voltado principalmente para a organização do
trabalho na sociedade atual norteada pelo ideário da globalização neoliberal e que se mostra
bastante sintonizado com a concepção de cidadania ativa aqui pleiteada.
Ocasionalmente, os militares também podem ser convidados para fazerem palestras sobre
temas específicos e participarem de comissões organizadoras nas escolas paisanas relacionadas
a eventos variados. Por sua vez, os comandantes das unidades bélicas sediadas em muitas
cidades podem disponibilizar aos discentes das instituições educativas civis suas praças
esportivas e seus instrutores bem como facultar a eles os préstimos dos músicos integrantes das
bandas que são utilizadas nas atividades rotineiras de treinamento.
Apesar de ser bem vinda a colaboração dos militares na área da educação moral e cívica
pertinente às duas sugestões feitas anteriormente, ressaltamos que o protagonismo em tal área
cabe aos professores civis. Urge, portanto, que os mesmos abandonem imediatamente a
atitude de relegação ao segundo plano manifestada em relação a esta educação a qual vem
persistido desde há muitas décadas. (Publicado na Ilustríssima em 14/04/20019)

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