O conto original de Peter Pan, escrito por J.M. Barrie em 1911, é bem diferente da versão adocicada da Disney que conhecemos.
James Matthew Barrie, o criador de Peter Pan, não escreveu uma história infantil para entreter, mas sim um espelho distorcido de suas dores mais íntimas.
A semente do personagem começou a ser escrita em 1902 e teria nascido do luto: Barrie perdeu seu irmão David em um acidente de patinação aos 13 anos. Para a mãe, David era o filho perfeito, e o fato de ele nunca ter crescido o eternizou como símbolo de pureza.
Barrie, ao ver o impacto disso, internalizou uma ideia inquietante: a verdadeira infância é aquela que nunca envelhece — nem que, para isso, precise m0rrer.
Essa é a sombra que paira por trás do conto de fada que o mundo conhece.
A história começa em Londres, no quarto dos irmãos Darling — Wendy, John e Michael. À noite, sob a vigília da cadela Nana, surgem ecos, sombras e uma presença invisível que observa pela janela. Peter Pan está à espreita, tentando recuperar sua sombra perdida.
Mas esse Peter Pan não é o herói encantador da Disney. Ele é descrito como "um menino com dentes de leite ainda afiados", com um riso impiedoso e olhos vazios de empatia. Ele não ama — ele conquista. Ao seu lado, uma fada do tamanho de uma mão: Sininho, ciumenta, volátil, muitas vezes cruel.
Seu convite a Wendy não é gentil: é um sequestro sedutor disfarçado de aventura.
Com pó de fada, Wendy e seus irmãos, voam até a Terra do Nunca — e ali começa o verdadeiro pesadelo.
A Terra do Nunca: Um Inferno Pintado de Brinquedo
Na superfície, a Terra do Nunca parece um lugar de fantasia: sereias, índios, piratas, florestas encantadas. Mas sob essa máscara, esconde-se um mundo de estagnação, egoísmo e esquecimento. As crianças ali não crescem, mas também não vivem — repetem eternamente os mesmos ciclos de jogos, batalhas e m0rtes simbólicas. E logo se percebe que esse mundo não é um paraíso, e sim, um purgatório infantil.
Ali vivem os "Meninos Perdidos" — crianças que "caíram dos carrinhos de bebê" e nunca foram reclamadas pelas mães ou se quer pelas famílias — vivem sob a liderança carismática e cruel de Peter Pan, ele é o senhor de um reino de estagnação.
Ele m*ta aqueles que envelhecem demais. Literalmente. Ele não admite mudança. Nem idade. Nem sombra.
"Quando parecem estar crescendo, Peter Pan os "afasta", diz o texto original, com um eufemismo gelado.
Wendy é forçada a assumir o papel de mãe para os garotos. Ela cozinha, conta histórias e cuida dos feridos. Peter não quer uma companheira — ele quer uma figura que o mime e o adule, sem desafiar sua autoridade. Exige cuidado, mas não oferece amor verdadeiro. O amor, para ele, é um jogo de poder. Ele não compreende o afeto — apenas o jogo de manter os outros girando em sua órbita.
A Fada Ciumenta, o Capitão Gancho e o Espelho Rachado
Sininho, ao contrário da imagem doce e brilhante popularizada, é ciumenta, vingativa e quase uma ass*ss*na. Sininho enxerga Wendy como uma ameaça e tenta m*tá-la por inveja. Em um momento de ciúme feroz, Sininho guia os Meninos Perdidos a atlrar nela. A tentativa de ass*ss*nato só falha por sorte.
As fadas, no mundo de Barrie, são seres voláteis, nascidas do riso de um bebê, mas com um temperamento que arde entre o encanto e o caos.
Já o Capitão Gancho, arquétipo do vilão, é na verdade o reflexo sombrio de Peter Pan — um homem que envelheceu, ele é culto e conhece a arte, lê Shakespeare, mas teme o tique-taque do tempo, simbolizado pelo crocodilo que engoliu seu relógio quando sua mão foi c0rtada por Peter Pan e jogada ao crocodilo.
Gancho é o que Peter Pan poderia ter se tornado: um homem corroído pelo tempo e pelo medo de ser esquecido. Mas Peter Pan não teme o tempo porque não o reconhece. Ele é congelado na infância, sem memória contínua — esquece até os nomes dos que ama.
Peter Pan e Gancho são dois lados da mesma moeda: o menino que se recusa a crescer e o adulto que não consegue voltar.
O Fim que Nunca Termina
As batalhas entre Peter Pan e os piratas são violentas. Crianças m*tam. Piratas morrem. Enquanto Peter Pan ri, com a indiferença de quem não entende o valor da vida. O conto de Barrie descreve lutas com um misto de lirismo e brutalidade. Não há real consequência. A Terra do Nunca é um teatro onde tudo se repete.
Quando Wendy e os irmãos decidem voltar para casa, Gancho os captura. Wendy quase é forçada a caminhar pela prancha. Mas Peter os salva. Ele m*ta o Capitão Gancho — ou o empurra ao crocodilo, dependendo da versão. E então, pela primeira vez, Peter parece vitorioso.
Mas essa vitória tem um gosto amargo.
De volta a Londres, os pais de Wendy os recebem. Os Meninos Perdidos são adotados. Mas Peter se recusa. Ele não quer uma casa. Ele não quer crescer. Ele retorna à Terra do Nunca. Sozinho.
Na cena final do original, Peter volta anos depois, esperando encontrar Wendy como sempre foi. Mas ela está adulta, com uma filha. Peter Pan não compreende. Ele está preso na infância como um fantasma preso a um instante de sua morte — condenado a repetir sua existência oca para sempre.
Ela lhe apresenta sua filha, Jane. E Peter Pan voa com ela, repetindo o ciclo. Ele sempre volta, esperando que tudo esteja como antes, mas sempre se decepciona. E sempre recomeça. Vivendo um ciclo sem fim.
O Documento de uma Mente Marcada
Barrie nunca teve filhos. Mas se cercou de meninos — os irmãos Llewelyn Davies, órfãos que ele praticamente adotou, serviram de inspiração direta para os Meninos Perdidos. Dois deles m0rreram tragicamente jovens: um por afogamento, outro por suicídio. A sombra da m0rte pairava sobre a infância de Barrie, e ele a esculpiu em Peter Pan.
Não é por acaso que o título original da peça era Peter Pan, ou o Menino que Não Queria Crescer. Não "não podia" — não queria. A recusa de amadurecer não é um dom mágico. É uma prisão psíquica.
Peter Pan, em sua essência, não é um conto sobre liberdade e magia, mas sobre fuga. Não é uma celebração da juventude, mas um aviso sombrio sobre o que acontece quando nos recusamos a aceitar o tempo, a perda, o amor — e a morte.
Ao romantizar Peter como símbolo da infância eterna, esquecemos que ele representa a infância parada no tempo porque foi ferida, abandonada ou destruída. Wendy cresce. Os meninos crescem. Gancho morre. Só Peter Pan permanece, solitário, voando sobre Londres, à espera de outra criança vulnerável que ele possa levar embora.
E toda vez que ouvimos uma risada de criança, uma fada nasce.
Mas sempre que uma criança para de acreditar, uma fada morre.
Peter Pan - Por J.M. Barrie
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