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19/05/2014

GESTÃO DEMOCRÁTICA DA EDUCAÇÃO – DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS

 

Nos dizeres de Marodo e Simon (in OLIVEIRA, 2001, p. 144), poderiam ser distinguidas quatro tipos de descentralização: a desconcentração (delegar responsabilidades administrativas a níveis inferiores dentro das agências centrais), a delegação (transferência de responsabilidades a organizações que estão fora da estrutura burocrática), a devolução (transferência a unidades de governo subnacional fora do controle direto do governo central) e a privatização (transferência de responsabilidades ao setor privado).

Estes autores nos mostram ainda alguns problemas recorrentes na descentralização:

- motivação financeira da transferência;

- falta de diagnósticos prévios e de projeto educativo orientador;

- ausência de administradores qualificados nas jurisdições para cumprir funções ampliadas, mais complexas e qualificadas, o que pode levar à deterioração dos serviços;

- ausência de tecnologias necessárias para a gestão;

- ausência de dados em relação ao sistema educativo para tomada de decisões de política educativa;

- modelos de gestão provincial inspirados nos de nível nacional – os processos de decisão não incluem majoritariamente mecanismos de participação, o que dificulta a necessária democratização da gestão;

- quebra do movimento sindical docente;

- a descentralização não significa maiores níveis de democratização do sistema nacional de educação.

Segundo Rosar (in OLIVEIRA, 2001, p. 113), “a descentralização pode significar a possibilidade de aumentar a participação não dos indivíduos em geral, mas de determinados indivíduos e grupos”, o que pode garantir a hegemonia dos grupos que detém o controle. Em outros casos, “alguns grupos que estão no governo insistem no fomento de políticas de descentralização porque seus interesses estariam sendo resguardados, reduzindo-se o poder de outros grupos que também estão no governo”. Desta forma, “os grupos que detêm o poder utilizam estratégias de centralização ou de descentralização na medida em que resguardam seus interesses”.

Segundo Cury (in OLIVEIRA,2001, p. 201),

o termo gestão vem de gestio, que, por sua vez, vem de gerere (trazer em si, produzir), fica mais claro que a gestão não só é ato de administrar um bem fora-de-si (alheio) mas é algo que se traz em si, porque nele está contido. E o conteúdo deste bem é a própria capacidade de participação, sinal maior da democracia. Só que aqui é a gestão de um serviço público, o que (re) duplica o seu caráter público (re/pública).

A gestão democrática na educação, penso, necessita da participação.

Ainda segundo Cury(in Oliveira, 2001, p.205), “a participação como fonte de gestão será tanto direta como no caso de consultas, assembléias, encontros ou mesmo questionário, quanto mediada através de órgãos colegiados como conselhos escolares, conselhos municipais, estaduais e o próprio conselho nacional”.

Numa democracia participativa, “os grupos de pressão e os lobbies substituem os partidos políticos,numa nova forma de controle social e de recuperação de iniciativas autônomas da população trabalhadora, para legitimar o Estado amplo”(BRUNO in OLIVEIRA, 2001, p.39).

A escola é uma das esferas de produção de capacidade de trabalho. Neste contexto, “o custo dessa produção de capacidade de trabalho tem que ser racionalizado, já que para o capital trata-se da produção de uma mercadoria tal como qualquer outra”(BRUNO in OLIVEIRA, 2001, p.39).

Ainda segundo Bruno (in OLIVEIRA, 2001, p.40), “no âmbito interno das escolas, é fundamental promover formas consensuais de tomada de decisões, o que implica a participação dos sujeitos envolvidos, como medida de prevenção de conflitos e resistências que possam obstruir a implementação das medidas consideradas necessárias”.

No caso do processo de trabalho dos educadores, seria a eliminação do que nas empresas se classifica como refugo e retrabalho, o que acresce os custos. “Neste caso, o refugo é o aluno que abandona a escola (investimento perdido) e o retrabalho é o repetente”(BRUNO in OLIVEIRA, 2001, p.41).

Se tomássemos qualidade em educação pela ótica do Banco Mundial, “o retorno econômico constitui o principal indicador da qualidade da educação”(FONSECA in OLIVEIRA, 2001, p.59).

Para este organismo, a educação para todos seria a educação primária, e a educação superior garantiria a seletividade. Os investimentos do Banco Mundial em educação no Brasil, permitiram sua participação na “definição da agenda educacional do país, em consonância com as condicionantes impostas no processo de financiamento externo”(FONSECA in OLIVEIRA, 2001, p.60).

E ainda, segundo esta autora[...] “parcimônia na definição do limite de educação e de saúde para os pobres, que vem camuflada por princípios humanitários, como a Declaração de Educação para Todos, por exemplo”(p. 61).

Continuando,”nesta ótica, a quantidade e a qualidade da educação para os diferentes países são definidas na justa medida do modelo global, isto é, na qual a participação da sociedade local não se faz presente. Assim delimitado, o setor educacional intensifica a sua dependência, em nome de uma concepção técnica e financeira que se anuncia como redentora da pobreza e como guardião da autonomia das nações em desenvolvimento”(FONSECA in OLIVEIRA, 2001, p.62).

Bruno (in OLIVEIRA, 2001, p.44), “que se constituam alternativas práticas possíveis de se desenvolverem e de se generalizarem, pautadas não pelas hierarquias de comando, mas por laços de solidariedade, que se consubstanciam formas coletivas de trabalho, instituindo uma lógica inovadora no âmbito das relações sociais”.

Segundo Rosar (in OLIVEIRA, 2001, p. 132), algumas propostas de capacitação docente que auxiliassem a escola, incluiriam entre outras:

- tornar a escola uma unidade de capacitação para o conjunto da equipe escolar, com assistência técnica dos órgãos descentralizados da administração estadual/municipal/cooperação com a Universidade, deslocando recursos humanos e materiais para a escola;

- sistemas de monitorias ou assistência pedagógica por área curricular, destinado às escolas de uma mesma área, planejados em nível local;

- adoção de materiais para professores, contendo treinamento em conteúdo e metodologia, semelhante à formação à distância, combinado com momentos presenciais;

- criação de oficinas pedagógicas em áreas ou micro-áreas;

- aproveitamento de professores reconhecidamente eficiente e com mais experiência;

- adoção de sistemas de informação simples e de divulgação ágil, de fácil distribuição.

Assim, “todas essas e outras estratégias seriam adotadas, observando-se o princípio de abrir espaços para as iniciativas locais, com o apoio dos técnicos dos órgãos centrais ou das delegacias regionais que seriam ‘animadores’ do processo, procurando fornecer suporte técnico e financeiro para o aperfeiçoamento dessas experiências”(ROSAR in OLIVEIRA, 2001, p. 133).

Para Diker (1996 apud SIMON E MERODO in OLIVEIRA, 2001, p.168), “os sistemas nacionais de educação da qualidade deveriam ser entendidos [...] como um novo estilo de gestão política-educativa, que permite reter nos níveis centrais a capacidade de controle sobre o sistema educativo, sem intervir diretamente em sua gestão”.

Nos dizeres de Sousa (in OLIVEIRA, 2001, p. 264), a educação tem sido enfocada em duas vertente: educação como direito do cidadão e condição para sua participação política e social ou educação como condição para o desenvolvimento econômico e para inserção do Brasil no grupo dos países desenvolvidos. Assim, “a educação precisa alcançar qualidade capaz de responder às demandas decorrentes das transformações globais nas estruturas produtivas e do desenvolvimento tecnológico”.

Nas políticas de avaliação do rendimento escolar, a escola, como micro-sistema educacional, é

responsabilizada pela construção do ‘sucesso escolar’, cabendo ao poder público a aferição da produtividade, por meio de aplicação de provas de rendimento aos alunos. Este encaminhamento, ao tempo em que se revela estimulador da competição entre as escolas, responsabilizando-as, individualmente, pela qualidade de ensino e re-situando o compromisso do poder público com seus deveres, é expressão no campo educacional da defesa do Estado mínimo, em nome da busca de maior eficiência e produtividade (SOUSA in OLIVEIRA, 2001, p. 265).

Segundo Sousa,

Qualidade não é algo dado, não existe em si, remetendo à questão axiológica, ou seja, dos valores de quem produz a análise da qualidade. A emergência de critérios de avaliação não se dá de modo dissociado das posições, crenças, visão de mundo e práticas sociais de quem as concebe. É um conceito que nasce da perspectiva filosófica, social, política de quem faz o julgamento e dela é expressão. Portanto, os enfoques e critérios assumidos em um processo avaliativo revelam as opções axiológicas dos que dele participam (OLIVEIRA, 2001, p. 267).

Alguns argumentos visam evidenciar o significado da implantação de sistemas de avaliação de rendimento escolar, como instrumento de gestão educacional, que expressam uma concepção do papel do Estado na condução das políticas educacionais[1]:

- possibilidade de compreender e intervir na realidade educacional – para entender as causas dos problemas, propondo ações para sua superação e avaliando-as;

- necessidade de controle de resultados pelo Estado – devido às políticas de descentralização, há necessidade de adotar controles flexíveis, com forte avaliação de produto ou resultado;

- estabelecimento de parâmetros para comparação e classificação das escolas – para que se possam alocar os (poucos) recursos com critério;

- estímulo à escola e ao aluno por meio de premiação – “aprende-se a avaliar e a ser avaliado na escola como ato de cidadania [...] prestação de contas em ato público (FLETCHER apud SOUSA in OLIVEIRA, 2001, p. 278);

- possibilidade de controle público do desempenho do sistema escolar – para levantar e tornar públicas informações sobre o desempenho dos sistemas escolares[2].

Para Sousa, a justificativa da necessidade de dados, não se sustenta, pois há inúmeros disponíveis hoje no Brasil. Alerta que é temerário um sistema de avaliação cujo indicador nuclear seja o rendimento do aluno.

Assim, considera que o pretendido é

instalar mecanismos que estimulem a competição entre as escolas, responsabilizando-as, em última instância, pelo sucesso ou fracasso escolar. A crença subjacente é a de que o aprimoramento das práticas administrativas e pedagógicas da escola se dará em consequência, por um lado, de respostas que a própria escola vier buscar frente aos resultados por ela obtidos quando da comparação de seu desempenho com o de outras e, por outro, de ações diferenciadas que o poder público desencadear nas mesmas, premiando aquelas que apresentem ‘bons produtos’ e, se não punindo, promovendo ações específicas nas que apresentem baixo rendimento, em relação aos critérios de produtividade estabelecidos. Ao tempo em que se indaga sobre o potencial deste procedimento para gerar o esperado aprimoramento do ensino, alerta-se para o seu potencial de intensificar, sob a classificação aparentemente técnica, a seletividade social na escola (SOUSA in OLIVEIRA, 2001, p.279).

Para Sousa, “gerir o sistema público de educação de acordo com a lógica da economia de mercado tende a promover, não a sua democratização, mas o seu desmonte”(in OLIVEIRA, 2001, p. 281).

OLIVEIRA, Dalila Andrade (org.). Gestão Democrática da Educação – Desafios Contemporâneos. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.

Notas:

[1] Cf. Sousa, in Oliveira, 2001.

[2] Refere-se ao termo “accountability”, traduzido como prestar contas, que para Fletcher (apud SOUSA in OLIVEIRA, 2001), relaciona-se mais com a organização administrativa e política.

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