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19/05/2014

FUNDAMENTALISMO: A GLOBALIZAÇÃO E O FUTURO DA HUMANIDADE

 

Maíra Innocente[1]

Leonardo Boff, catarinense, nascido em 1938, neto de imigrantes italianos, ex-padre, autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística, aborda neste livro, publicado em 2002, questões cruciais sobre o fundamentalismo, reflexão que procura articular o discurso indignado frente à miséria e à marginalização, num contexto de globalização econômica e recrudescimento do neoliberalismo. Nessa perspectiva, mostra-se ardoroso defensor da causa dos Direitos Humanos e da preservação ambiental, numa defesa da cultura de paz, de diálogo e harmonia que poderão garantir a sobrevivência da Terra e da humanidade. O texto é importante por proporcionar fundamentação para a reflexão sobre o tema proposto, mediante consistente argumentação, filosófica e histórica.

A partir do contexto do terrorismo e seu recrudescimento, com o atentado de 11 de setembro de 2001, o autor propõe uma reflexão sobre o fundamentalismo.

Nessa esteira, o fundamentalismo não pode ser discutido apenas como fenômeno incutido em nossa cultura e em nossos comportamentos individuais, mas também mediante a apresentação de sua dimensão ética e política, visto que influencia o futuro da humanidade. Assim, o fundamentalismo tem várias faces: religiosa, econômica, ideológico-religiosa.

Deve-se, portanto, distinguir radicalismo – processo de ir à raiz das questões, de sectarismo – inflação de um setor da realidade ou de um aspecto da compreensão em detrimento do todo.

O fundamentalismo surgiu com o protestantismo norte-americano, em meados do século XIX. O termo foi cunhado em 1915. Propunha-se um cristianismo rigoroso contra a modernização, tecnológica e social.

A tese dos fundamentalistas protestantes é afirmar que a Bíblia constitui o fundamento básico da fé cristã e deve ser seguida ao pé da letra, sem que se considere o contexto histórico de cada sociedade. Tudo na Bíblia é perfeito e desse rigorismo deriva o caráter militante e missionário do fundamentalista.

Sob o governo de Ronald Reagan, o fundamentalismo serviu para impor medidas restritivas na vida pública, particularmente com referência aos imigrados e à assistência aos pobres.

Contudo, a Bíblia não pretender ser inerrante em campos da história, da geografia e da biologia. Diz-se: na Bíblia está contida a palavra de Deus, ela não é a palavra de Deus.

O fundamentalismo católico chama-se Restauração e Integrismo, cujo inimigo a combater é a Modernidade. Tem duas vertentes: doutrinário e ético-moral. No doutrinário a Igreja católica é a única Igreja de Cristo. A segunda vertente refere-se à moral e aos costumes, configurando-se contra aos preservativos, o homossexualismo, a eutanásia, etc. “A vida é sacrificada em nome de normas e doutrinas fossilizadas” (p. 21).

Mediante a discussão anterior, pode-se compreender que o fundamentalismo não é uma doutrina, mas uma forma de interpretar e viver a doutrina. O fundamentalismo representa a atitude daquele que confere caráter absoluto ao seu ponto de vista.

Quem se sente portador da verdade absoluta não pode tolerar outra verdade, o que leva à intolerância e, consequentemente, ao desprezo, à agressividade e à guerra.

O fundamentalismo judeu se concentra na construção do Estado de Israel segundo o tamanho que lhe atribui a Bíblia hebraica.

O islamismo pretende ser a síntese superior do cristianismo e do judaísmo. O Alcorão é entendido como a revelação verbal e última dada por Deus, em árabe, ao seu povo. O islamismo original não é guerreiro nem fundamentalista.Porém, os que tomam o Alcorão como a revelação feito livro e tentam aplica-lo em todos os campos da vida, tendem a ser fundamentalistas. Criaram um estado teocrático e tentam impô-lo aos demais, por meio da jihad – guerra santa.

Os conflitos na região do Oriente Médio são seculares e agravaram-se na disputa atual pelo controle do petróleo na região, com a globalização econômico-financeira – competitiva e não cooperativa.

Tudo isso levou à demonização mútua do inimigo, entre ocidentais mulçumanos, exacerbando o fundamentalismo.

A lógica individualista da globalização econômica desmoralizou a política como busca do bem comum, gerando sentimentos de decepção e abandono à própria sorte.

Com a dissolução da União Soviética, também ressurgiram as identidades recalcadas pelo socialismo estatizante. Há ainda ressentimentos da África escravizada por séculos.

Além disso, o processo de globalização significa também globocolonização, de forma que as identidades precisam ser fortalecidas por meio da religião.

A política externa norte-americana realiza pactos com governos despóticos, em favor de obter suprimento de petróleo, como, por exemplo, sua atuação unilateral no conflito entre Israel e palestina. Esses procedimentos acumulam o desejo de revanche.

Cumpre ressaltar que todos os sistemas que se apresentam como portadores exclusivos da verdade e de solução única são fundamentalistas, não somente os religiosos. O mais visível deles é o fundamentalismo da ideologia política do neoliberalismo, do modo de produção capitalista e o mercado mundialmente integrado, que se apresentam como solução única para todos os países e para todas as carências da humanidade. A economia capitalista destrói continuamente a democracia participativa, criando uma cosmovisão materialista, individualista e não-ética.

Outro tipo de fundamentalismo é o paradigma científico moderno, que se assenta na violência contra a natureza, com base na razão instrumental-analítica.

Assistimos, também a dois tipos de fundamentalismo político: o representado por George W. Bush e por Osama Bin Laden, como numa contraposição do bem contra o mal, ambos falando em nome de Deus. Respondem terror com terror.

Como conviver com o fundamentalismo? Tal questão deve ser respondida de modo pedagógico e político. Primeiramente, entender que o fundamentalismo é um sistema fechado, com cada verdade se concatenando a outra. Embora os fundamentalistas sejam inacessíveis às argumentações racionais, não se pode desistir do diálogo, da tolerância e do uso da razão. Trazer o fundamentalista para a dúvida e a insegurança, pode abrir brechas em suas convicções cerradas e excludentes, de tal forma que compreenda a importância da diversidade.

Trata-se então de uma encruzilhada histórica da humanidade. Torna-se necessário criar relações multipolares de poder, investindo na qualidade de vida, no respeito aos direitos humanos, na preservação da natureza. Caso contrário, chegaremos à destruição da humanidade.

Contudo, o fundamentalismo não pode ter apenas uma interpretação negativa. Nos fundamentos do cristianismo, do judaísmo e do islamismo, encontramos a dimensão libertária, o cuidado com os pobres, o respeito às pessoas e à natureza.

Na tradição ocidental herdamos um arquétipo de diálogo entre cristianismo e islamismo: São Francisco de Assis – prega amar nossos inimigos e não fazer-lhes guerra. Prega o caminho do diálogo: “Se queres a paz, prepara a paz”(p. 53).

A seguir, o autor discute o papel das religiões nas políticas mundiais, pois entende que a religião foi quase completamente olvidada pelos estrategistas das políticas mundiais. Tal omissão mostrou-se danosa, nos casos do Líbano, Irã, Palestina, Afeganistão. Nos casos da Nicarágua, Filipinas, África do Sul, etc., a religião teve contribuição positiva para a paz. No entanto, entende que, no mundo moderno, a religião me uma força central na mobilização das pessoas, com o que se identificam, definindo as identidades étnicas.

No islamismo, não se separa o político e o religioso, de forma que atacar um Estado mulçumano é atacar a religião, o que resulta na jihad, traduzida por terrorismo. Para estabelecer a paz, é necessário, portanto, um diálogo inter-religioso e uma participação religiosa.

A partir da globalização, defende-se que o inimigo/terrorista deve ser enfrentado em qualquer parte do mundo. Isso põe em risco a existência da Terra e da humanidade. Há o risco do terror de Estado.

No caso do atentado de 11/09/2001, terror deve ser enfrentado com terror, gerando-se a espiral da violência sem fim. Identificam-se os nichos fomentadores de inimigos com países, como a Líbia, o Sudão, o Iraque e outros.

Mais importantes que essas nações são as ideologias libertárias e as religiões de resistência e libertação, que criam místicas de engajamento e fazem surgir militantes contra a ordem social mundial – vigilância, sequestros, torturas, assassinatos, com formas de exceção quanto à cidadania e os direitos fundamentais da pessoa humana.

Nenhum ser humano é uma ilha, por isso as tragédias dão a dimensão da inumanidade de que somos capazes. Ao mesmo tempo, fazem emergir o verdadeiramente humano, para além das diferenças. È o amor que vence o ódio – o diálogo e a negociação fundam a paz.

O autor discute a posição do Papa em relação ao terrorismo.

Dependendo da posição assumida pelos governos, em especial de George W. bush, a humanidade corre riscos. É preciso, portanto, buscar alternativas para alcançar a paz duradoura por meio de métodos pacíficos.

Dessa forma, o terrorismo deve ser combatido com ações de justiça social a nível mundial, relações mais equânimes, inclusão e diálogo entre todas as culturas.

Nesse cenário, o Brasil tem papel importante representando o terceiro mundo, pois a cultura brasileira não é dogmática, fundamentalista, rígida.

A mídia também pode contribuir mostrando a grandeza e a beleza da cultura árabe, sem disseminar o fundamentalismo.

As questões devem ser discutidas na complexidade dos interesses econômicos, na necessidade de petróleo, da segurança, das alternativas energéticas, para que o mundo possa funcionar.

Precisamos trabalhar sobre a positividade, sobre a dimensão da ordem, de paz, de amorização, das formas de organização da sociedade. “A paz é o equilíbrio do movimento e não a ausência do movimento” (p. 89).

A Terra já passou por grandes dizimações e precisa sobreviver a essa, agora. A Terra será salva pelas nossas ações de solidariedade e diálogo, numa história mais pacífica, harmoniosa e fraternal do que a que herdamos.

Concordamos com os argumentos do autor sobre o tema, pois o respeito aos direitos humanos e a não exclusão de milhares de seres humanos do acesso aos direitos básicos de cidadania, a não exacerbação dos ódios étnicos, religiosos, poderá ser um caminho para que a humanidade possa ter continuidade, numa cultura de paz. Não se pode pautar as ações do governo como as de terroristas, nem somente atender às necessidades econômicas, como por petróleo. A sobrevivência da humanidade vai além dessas questões. Somente o diálogo entre as nações poderá garantir relações mais solidárias e igualitárias para os seres humanos.

BOFF, Leonardo. Fundamentalismo: A Globalização e o Futuro da Humanidade. RJ: Sextante, 2002.

Nota:

[1] Bacharel em Moda pela UNISAL. MBA em Administração e Marketing, pela Fatec Internacional.

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