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21/04/2025

A MENINA SEM MÃOS (IRMÃOS GRIMM)

 Há contos que não foram feitos para confortar, e sim para inquietar. “A Menina Sem Mãos”, publicado pelos Irmãos Grimm em 1812, é um desses. 


Um conto que atravessa o horror da traição paterna, pactos demoníacos, a mutlIação do corpo feminino e a longa travessia de uma alma ferida rumo à redenção.

“A Menina Sem Mãos” (Das Mädchen ohne Hände) - Irmãos Grimm, 1812.

Era Uma Vez... 

Numa aldeia esquecida pelo tempo, onde vivia um moleiro pobre à sombra de uma floresta profunda, que mal conseguia alimentar sua família. Um dia, um estranho de aparência refinada, com vestes escuras, aparece à beira da floresta. Com um brilho cruel nos olhos e disse:

— Se me deres o que está atrás do seu moinho, eu te darei ouro e riquezas por sete anos.

O moleiro pensou nas velhas árvores e em seu pomar seco. Acreditando fazer um bom negócio e aceitou.

Mas o que estava atrás do moinho naquele momento era sua única filha, uma jovem de coração puro, que recolhia maçãs caídas sob os galhos. E quando o homem voltou para casa, o desespero tomou conta dele.

O estranho, era o próprio diabo. 

E a moça, sua filha, que não tinha pecado, estava agora destinada a ele.

O moleiro, tomado pelo desespero, tenta proteger a filha. Mas três anos depois o Diabo volta para buscar o que era seu, mas ele não consegue tocá-la, pois a jovem havia lavado suas mãos com lágrimas de oração. Ela havia se banhado e chorado tanto, com tanta fé, que seu corpo se tornara puro demais para ele.

Furioso o demônio então exige mais, um ato irreversível: as mãos dela devem ser cortadas — apenas assim ela perderá sua pureza e será dele por completo.

O pai, tomado pelo medo e pela ganância, numa cena que choca até os mais insensíveis, obedeceu.

Amarra os pulsos da própria filha sobre o tronco de madeira.
Ela chora. Ele hesita. Mas decepa as mãos da filha com um machado. 

 Com sua pureza ela chora, mas o perdoa.

Mesmo assim, ela continua pura. Suas lágrimas lavam o sangue. O diabo, derrotado, parte, mas não desiste.

Sem mãos, sem lar, sem amor, sem proteção, ela parte sozinha. Atravessa florestas, dorme a beira de rios com os tocos ensanguentados, alimenta-se como pode de frutos diretamente das árvores e das migalhas da compaixão alheia, como se a natureza tivesse pena dela. Ao fim de muitos dias, chega a um pomar pertencente a um rei, onde árvores frutíferas crescem em abundância.

Ali, faminta, ela toca uma maçã com os braços, tentando com dificuldade matar sua fome — um jardineiro a acusa de roubo.  Mas outros relatam o acontecimento ao rei que ao descobrir sua história, se comove. Vê nela uma figura santa. Casa-se com ela e manda forjar mãos de prata para substituir as perdidas e assim aprende a viver de novo

O conto poderia acabar aí. Mas contos dos Grimm não são fáceis e nunca terminam no auge da luz

Quando ela, agora rainha engravida e dá à luz um filho, o rei está em batalha. A carta anunciando o nascimento é enviada ao rei. Mas a carta é interceptada pelo demônio, que ainda a persegue a fim de possuir sua alma. 

Ele altera a mensagem: diz que a criança é um monstro e tinha nascida deformada e que a rainha seria uma bruxa. Depois altera a resposta do rei: ordenando que mãe e filho sejam m0rtos.

O mensageiro, nobre de coração, não tem coragem de executar a ordem. Em vez disso, liberta-os e os deixa fugir. A rainha foge para a floresta com seu bebê. Vive ali durante sete anos entre árvores e sombras. 

Um dia, ao lavar-se com lágrimas e água de um riacho, nota que suas mãos estão crescendo de novo. Não as de prata, mas as de carne. O corpo acompanha a alma. A justiça silenciosa da floresta a cura.

Quando o rei retorna e descobre o engano, busca sua esposa por todos os cantos. Após sete anos de busca, reencontra-a na floresta, com o filho. Ela, agora com mãos verdadeiras, estende os braços para ele. Eles se abraçam e choram. O reino os recebe de volta.

Mas o mundo nunca saberá o que ela passou. Ela viveu três vezes: como filha traída, como esposa exilada, e como mãe redimida.

🎭 Simbolismo profundo do conto

O corte das mãos representa a castração simbólica do poder feminino. Sem mãos, a mulher perde sua capacidade de agir, de moldar o mundo. Ela se torna um corpo santo, passivo, sagrado — e apenas assim é aceitável diante dos homens e do divino.

A floresta não é apenas um lugar físico. É o útero da reconstrução. O lugar onde se morre e renasce.

As mãos de prata simbolizam a adaptação, a tentativa de reconstrução mecânica de uma alma quebrada. São máscaras. Apenas quando suas mãos reais voltam, ela é de fato curada.

O pai traidor é um tema recorrente nos contos alemães: a figura masculina que negocia a filha em troca de riqueza ou segurança. Aqui, ele representa a sociedade que mutila a inocência por medo do poder feminino.

Não há uma fonte histórica direta para esse conto, mas é possível que ele represente relatos folclóricos e simbólicos de mulheres punidas por sua fé, por sua virgindade ou por sua desobediência. É também um conto de sobrevivência — e uma metáfora brutal para as violências que as mulheres sofrem em nome da honra, da fé ou da obediência familiar.

O simbolismo lembra histórias cristãs medievais de mártires — especialmente de santas mutiIadas por homens ou pelo próprio destino, como Santa Águeda ou Santa Luzia.

Psicólogos e analistas como Marie-Louise von Franz e Clarissa Pinkola Estés interpretaram esse conto como um arquétipo feminino de transformação. A menina mutlIada representa todas as mulheres forçadas ao silêncio, ao sofrimento e à sobrevivência — que, ao manterem sua integridade interior, eventualmente recuperam seu poder.

Um conto para tempos escuros, “A Menina Sem Mãos” é tudo que a cultura moderna tentou apagar: dor, sacrifício, mutiIação, fuga, fé, desespero e redenção. 

A Disney jamais tocaria nesse conto. Como transformar a imagem de uma jovem que foi vendida ao Diabo, com os braços amputados, caminhando pela floresta, em canção? Não há príncipe salvador. Não há varinha mágica. Há dor — e o sagrado que só nasce dentro dela.

É um conto que não nos deixa ilesos.

Mas é nesse silêncio sombrio que mora a verdade: de que as mãos podem ser cortadas, a alma esmagada, e ainda assim — com fé, força e dignidade — se pode renascer.

A Menina Sem Mãos - Irmãos Grimm

Texto: Douglas Kaya
📸Douglas Kaya

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12/04/2025

A VERDADEIRA HISTÓRIA DE JOÃO E MARIA (FÁBULA)

 A maioria de nós conhecemos João e Maria como uma fábula infantil, No entanto, a versão original dos Irmãos Grimm, registrada no início do século XIX, é muito mais sombria e angustiante, refletindo a fome e o desespero vividos pela Europa em tempos de guerra e escassez.


A Realidade Cruel por Trás da Fantasia

Na história dos Grimm, um lenhador pobre vive com sua esposa e seus dois filhos, João e Maria. A fome assola o lar. A madrasta — que em versões posteriores virou "mãe" para suavizar a trama — convence o marido a abandonar as crianças na floresta, pois "há bocas demais para alimentar e pouca comida para todos". É uma decisão desesperada, cruel e carregada de dor.

João ouve o plano e junta pedrinhas brancas durante a noite. No dia seguinte, ao serem levados para o coração da floresta, ele solta as pedras no caminho. Assim, quando o luar ilumina a trilha, as crianças conseguem retornar para casa. Mas a madrasta não desiste.

Na segunda tentativa, João não encontra mais pedrinhas, então usa migalhas de pão. Mas os pássaros comem o rastro. Perdidos de verdade, João e Maria vagam por dias. Exaustos e famintos, deparam-se com uma casa mágica feita de pão, bolo e açúcar. É o sonho de qualquer criança — ou o pesadelo prestes a começar.

A velha que os recebe parece gentil, mas esconde intenções horríveis. Ela é uma bruxa canibal que atrai crianças para devorá-las. Engana-os com alimentos e promessas de conforto, apenas para trancafiar João numa gaiola. Ela engorda o menino lentamente, examinando seus dedos a cada dia — e ele, esperto, oferece um ossinho, pois a bruxa é cega.

Enquanto isso, Maria é escravizada, forçada a trabalhar para a feiticeira. A tensão aumenta. A bruxa decide que chegou a hora de assar João. Ela manda Maria acender o forno e verificar se está quente o suficiente.

Mas Maria, em um ato de coragem e desespero, engana a bruxa. Finge não saber como entrar no forno, e quando a bruxa se aproxima para mostrar, Maria a empurra lá dentro e fecha a porta. A bruxa morre queimada, gritando.

Com a bruxa m0rta, os irmãos descobrem uma sala cheia de pedras preciosas, ouro e joias. Pegam o que conseguem carregar e fogem da casa maldita.

No caminho, são ajudados por um cisne branco que os leva pelo rio. Ao chegarem em casa, descobrem que a madrasta morreu. O pai, que havia se arrependido profundamente, os recebe com lágrimas de alegria.

Agora ricos, os irmãos garantem que nunca mais passarão fome.

Um Reflexo da Fome e do Medo

A história de João e Maria, como tantas dos Irmãos Grimm, reflete o terror da fome que assolava a Europa. Crianças abandonadas por pais desesperados, ameaças reais de morte, e o canibalismo como alegoria do desespero extremo. A floresta, símbolo da natureza cruel e implacável, e a casa doce, a armadilha do desejo, compõem um conto que vai muito além do infantil.

Embora não exista uma figura histórica exata como em outras lendas, muitos estudiosos acreditam que João e Maria é inspirada em tempos de grande miséria, especialmente durante as fomes severas da Idade Média. Registros históricos mostram que em períodos de escassez extrema, casos de abandono infantil não eram raros — e há relatos sombrios de canibalismo como último recurso.

A casa da bruxa, feita de doces, pode simbolizar o engano das aparências. Aquilo que parece um refúgio pode ser, na verdade, a armadilha mortal.

A Verdadeira História de João e Maria
João e Maria – Irmãos Grimm
Contos Reais
Lendas Sombrias
Histórias Originais

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