Entendemos a participação como essência do processo democrático. “A luta pelos ideais de participação, para Prestes Motta (1987), remonta à segunda metade do século XVIII e século XIX, nas ideias de Robert Owen (1771-1858), Charles Fourier (1772-1837), Philippe Buchez (1796-1865), Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865) e Louis Blanc (1811-1882)”(Villela, 1997:42).
Ainda segundo Villela (1997:43),
”Os principais teóricos da democracia também enfatizaram o papel central que nela tem a participação. Rousseau, Mill e Cole, como salientou Pateman (1922), já argumentavam que aprendemos a participar, participando, e que o sentimento de eficácia tem mais probabilidade de se desenvolver em um ambiente participativo. Rousseau pode ser considerado o teórico por excelência da participação direta (onde os cidadãos são executores de leis que eles mesmos fizeram), e não representativa (onde há participação na escolha daqueles que tomam decisões)”.
Ao falar sobre gestão democrática, Paro (1997:10), põe “como horizonte a transformação do esquema de autoridade no interior da escola (...), o processo de transformação da autoridade deve constituir-se no próprio processo de conquista da escola pelas camadas populares”.
Na escola atual, existe um sistema hierárquico que coloca, pretensamente, o poder nas mãos do diretor, porém este, como preposto do Estado, em verdade, não tem poder e autonomia, além da precariedade das condições concretas em que se desenvolvem as atividades no interior da escola. Esta falta de autonomia do diretor caracteriza também a falta de autonomia da escola, visto que, conferir autonomia à escola consistiria em dar-lhe “poder e condições concretas para que ela alcance objetivos educacionais articulados com os interesses das camadas trabalhadoras”(Paro, 1997:11).
Dividindo-se a autoridade entre os vários setores da escola, conseguindo-se a participação de todos os setores da escola – educadores, alunos, funcionários, pais – “nas decisões sobre seus objetivos e seu funcionamento, haverá melhores condições para pressionar os escalões superiores a dotar a escola de autonomia e de recursos. A esse respeito, vejo no conselho de escola uma potencialidade a ser explorada”(Paro, 1997:12).
Pensando no autoritarismo do Estado, lembramos que não somente o abuso da autoridade administrativa o constitui, mas também quando este deixa de prover a escola com recursos para a realização de seus objetivos.
Assim, importante seria a pressão da sociedade civil sobre o Estado, através de associações de pais e outras instituições, e por isso, também, é importante a participação dos membros dos colegiados escolares na gestão da escola.
Quando se diz que a gestão democrática necessita da participação da comunidade, devemos definir o que é participação, a qual defino como participação nas decisões, o que, todavia, não elimina a participação na execução.
Segundo Paro(1997:17), “a escola estatal só será verdadeiramente pública no momento em que a população escolarizável tiver acesso geral e indiferenciado a uma boa educação escolar”. Neste sentido, ganha importância a participação da comunidade na escola, com a “partilha do poder por parte daqueles que se supõe serem os mais diretamente interessados na qualidade do ensino”.
No entanto, entendo que a democratização da escola é processo e se faz na prática, visto que “a democracia não se concede, se realiza”(Paro, 1997:19).
É preciso que ocorra a transformação na prática das pessoas, enfrentando-se na prática escolar cotidiana as manifestações de autoritarismo, pois todos os que ali atuam têm interesses comuns, visto estarem “desprovidos das condições objetivas de produção da existência material e social e têm de vender sua força de trabalho ao Estado ou aos detentores dos meios de produção para terem acesso a tais condições”(Paro, 1997:20).
A questão da qualidade em educação é política, não meramente técnica e assim, existe a necessidade da participação de pais, alunos, professores, funcionários nas tomadas de decisão na escola. É preciso que haja identidade da escola pública com os problemas de sua comunidade, num gesto de ouvirem-se uns aos outros, questionando as próprias formas de participação.
Para que haja democratização do saber, deve haver pressão da sociedade civil, o que, no âmbito da comunidade escolar, aponta para a necessidade da comunidade participar da gestão da escola, para que esta ganhe autonomia “em relação aos interesses dominantes representados pelo Estado”(Paro, 1997:40).
Segundo Cury (in Oliveira,2001:201),
“o termo gestão vem de gestio, que, por sua vez, vem de gerere (trazer em si, produzir), fica mais claro que a gestão não só é ato de administrar um bem fora-de-si (alheio) mas é algo que se traz em si, porque nele está contido. E o conteúdo deste bem é a própria capacidade de participação, sinal maior da democracia. Só que aqui é a gestão de um serviço público, o que (re) duplica o seu caráter público (re/pública)”.
A gestão democrática na educação, penso, necessita da participação.
Ainda segundo Cury(in Oliveira, 2001:205),
“a participação como fonte de gestão será tanto direta como no caso de consultas, assembleias, encontros ou mesmo questionário, quanto mediada através de órgãos colegiados como conselhos escolares, conselhos municipais, estaduais e o próprio conselho nacional”.
Desta forma, a gestão democrática do ensino público necessita da transparência de processos e de atos, e não anula, mas convive com certas especificidades hierárquicas da escola, numa parceria entre os sujeitos.
Numa democracia participativa, “os grupos de pressão e os lobbies substituem os partidos políticos,numa nova forma de controle social e de recuperação de iniciativas autônomas da população trabalhadora, para legitimar o Estado amplo”(Bruno in Oliveira, 2001:39).
A escola é uma das esferas de produção de capacidade de trabalho. Neste contexto, “o custo dessa produção de capacidade de trabalho tem que ser racionalizado, já que para o capital trata-se da produção de uma mercadoria tal como qualquer outra”(Bruno in Oliveira, 2001:39).
Assim, nesta linha, a estrutura burocrática centralizada torna-se inoperante. Desta forma, a descentralização administrativa, conferindo maior autonomia às unidades escolares, permite-lhes adaptar-se às condições locais, sem grandes perturbações no sistema educacional.
Mediante esta descentralização, exige-se maior participação dos envolvidos no processo educativo na escola, pois suas responsabilidades aumentam com a descentralização operacional.
O controle central passa a ser exercido pela distribuição de recursos, pelo controle dos meios de acompanhamento e avaliação dos resultados, pela retro-informação, pela definição dos padrões gerais de funcionamento das unidades escolares.
Ainda segundo Bruno (in Oliveira, 2001:40), “no âmbito interno das escolas, é fundamental promover formas consensuais de tomada de decisões, o que implica a participação dos sujeitos envolvidos, como medida de prevenção de conflitos e resistências que possam obstruir a implementação das medidas consideradas necessárias”.
Através de evidências empíricas, parece que a rede pública está sendo adequada às tendências gerais do capitalismo contemporâneo, enfatizando a reorganização das funções administrativas e de gestão da escola, bem como do processo de trabalho dos educadores, envolvidos na formação das futuras gerações da classe trabalhadora, objetivando reduzir custos e tempo (qualidade total, como nas empresas?).
No caso do processo de trabalho dos educadores, seria a eliminação do que nas empresas se classifica como refugo e retrabalho, o que acresce os custos. “Neste caso, o refugo é o aluno que abandona a escola (investimento perdido) e o retrabalho é o repetente”(Bruno in Oliveira, 2001:41).
Deve-se potencializar a utilização dos meios físicos, como livros, materiais didáticos, equipamentos, de intensificar o trabalho dos educadores, sem investimento em sua capacitação. Aliás, seguindo as recomendações do Banco Mundial, já citadas em outro tópico[1].
Trata-se então, de adequar o sistema educacional ao sistema ocupacional, numa demanda de qualificação[2] de força de trabalho respondida não em termos nacionais, mas mundiais.
Assim, com a crescente mobilidade do capital (não dos trabalhadores), a educação deixou de ser questão nacional, e sofre influências dos organismos transnacionais. Os trabalhadores são inseridos numa economia globalizada, numa hierarquia que segmenta a classe trabalhadora, em âmbito mundial.
Esta hierarquia tende a reproduzir-se nos processos formativos, com a diminuição das políticas compensatórias[3].
Se tomássemos qualidade em educação pela ótica do Banco Mundial, “o retorno econômico constitui o principal indicador da qualidade da educação”(Fonseca in Oliveira, 2001:59).
Para este organismo, a educação para todos seria a educação primária, e a educação superior garantiria a seletividade. Os investimentos do Banco Mundial em educação no Brasil, permitiram sua participação na “definição da agenda educacional do país, em consonância com as condicionantes impostas no processo de financiamento externo”(Fonseca in Oliveira, 2001:60).
E ainda, segundo esta autora (...)”parcimônia na definição do limite de educação e de saúde para os pobres, que vem camuflada por princípios humanitários, como a Declaração de Educação para Todos, por exemplo”(p. 61).
Continuando,
”nesta ótica, a quantidade e a qualidade da educação para os diferentes países são definidas na justa medida do modelo global, isto é, na qual a participação da sociedade local não se faz presente. Assim delimitado, o setor educacional intensifica a sua dependência, em nome de uma concepção técnica e financeira que se anuncia como redentora da pobreza e como guardião da autonomia das nações em desenvolvimento”(Fonseca in Oliveira, 2001:62).
Então, o que seria melhorar a qualidade em Educação? Além de reformas curriculares, insumos, envolveria a reorganização do trabalho na escola, segundo Bruno (in Oliveira, 2001:44),
“que se constituam alternativas práticas possíveis de se desenvolverem e de se generalizarem, pautadas não pelas hierarquias de comando, mas por laços de solidariedade, que se consubstanciam formas coletivas de trabalho, instituindo uma lógica inovadora no âmbito das relações sociais”.
A meu ver, o trabalho coletivo na escola, como processo de construção e pressuposto fundamental de uma prática democrática, e que pode ter como uma das formas de sua existência a participação dos colegiados escolares na gestão da escola, pode contribuir para tal.
Segundo Hora (1994), é preciso que os educadores compreendam a dimensão política de sua ação, respaldada na ação participativa, numa deliberada e amplamente discutida construção do futuro da comunidade. Assim os indivíduos precisam desenvolver o compromisso político próprio do ato educativo e a gestão da escola passa a ser o resultado do exercício de todos os componentes da comunidade escolar.
Os conselhos escolares, enquanto mecanismos de ação coletiva que implanta a ação conjunta com a co-responsabilidade de todos no processo educativo, com o entendimento de que a escola não é um órgão isolado da sociedade, deve estar presente no processo de organização de modo que as ações a serem desenvolvidas estejam voltadas para as necessidades da comunidade, e que esta participe nas decisões.
Ainda analisando a gestão democrática, Prais (1990:16), entende
“a relação do processo de administração escolar como projeto educativo que intencional e coletivamente se empenha em elevar qualitativamente o nível cultural das camadas populares(...)tal processo procura dar aos membros das camadas populares condições de dirigir ou controlar quem dirige a sociedade. Isto sugere que o processo de democratização escolar resulta de espaços conquistados pela organização das classes proletárias. Assim (...) a administração colegiada como processo eminentemente educativo e político, quando se articula com a função essencial da escola pública, no sentido etmológico de público enquanto popular”.
Nos escritos de Maia e Oyafuso (1998), a construção do Projeto-Político Pedagógico da unidade escolar passa pela questão da autonomia da escola. Neste, estabelecem-se os objetivos do ensino, os conteúdos, as ações, métodos e recursos didáticos, os procedimentos de avaliação. Diz respeito, ainda, à forma como se organizam as classes, aos espaços e tempos escolares, ao trabalho coletivo e à formação dos professores, aos procedimentos de recuperação de alunos, à relação com os pais. As ações devem ser sempre avaliadas, durante o processo e em relação aos produtos, numa tarefa coletiva dos diversos segmentos da escola, o que subsidiará novas propostas. Este será a identidade da escola, construída de forma coletiva[4].
Entendemos a gestão baseada na escola como importante fator par a gestão democrática, tendo a primeira, segundo Herman e Herman (1992, apud Villela, 1997: 54), algumas características comuns:
- Há uma mudança na tomada de decisão para o nível da escola; alguma colaboração do nível central geralmente acompanha esta mudança;
- No nível da escola concreta é exercido o controle sobre as áreas de decisões críticas relacionadas ao orçamento, pessoal e ensino;
- As políticas e regulamentações distritais e estatais são eliminadas, visando maior autonomia no nível da escola;
- O nível da escola cria suas políticas e regulamentos;
- No nível da escola, um número de atores-administrados, professores, para-profissionais, pais, estudantes, membros da comunidade e empresários locais, toma decisões que afetam a escola.
A gestão baseada na escola traz benefícios, como o aumento da participação e da autonomia, maior flexibilidade para alocar recursos , a fim de atingir os objetivos da escola.
Segundo Rosar (in Oliveira, 2001: 132), algumas propostas de capacitação docente que auxiliassem a escola, incluiriam entre outras:
- tornar a escola uma unidade de capacitação para o conjunto da equipe escolar, com assistência técnica dos órgãos descentralizados da administração estadual/municipal/cooperação com a Universidade, deslocando recursos humanos e materiais para a escola;
- sistemas de monitorias ou assistência pedagógica por área curricular, destinado às escolas de uma mesma área, planejados em nível local;
- adoção de materiais para professores, contendo treinamento em conteúdo e metodologia, semelhante à formação à distância, combinado com momentos presenciais;
- criação de oficinas pedagógicas em áreas ou micro-áreas;
- aproveitamento de professores reconhecidamente eficiente e com mais experiência;
- adoção de sistemas de informação simples e de divulgação ágil, de fácil distribuição.
Assim,
“todas essas e outras estratégias seriam adotadas, observando-se o princípio de abrir espaços para as iniciativas locais, com o apoio dos técnicos dos órgãos centrais ou das delegacias regionais que seriam ‘animadores’ do processo, procurando fornecer suporte técnico e financeiro para o aperfeiçoamento dessas experiências”(Rosar in Oliveira, 2001: 133).
Percebe-se que algumas destas ações já ocorrem para as escolas públicas estaduais, porém o nível local ainda não é suficientemente ouvido no planejamento destas ações de capacitação docente. Muitos dos projetos vêm do nível central, num atropelo de medidas a serem implementadas, “atropelando” o projeto político-pedagógico da escola (as que o têm) ou não permitindo que esse seja formulado, um vez que apropriam dos espaços para reflexão coletiva, como as horas de trabalho pedagógico coletivas.
Claro fica, na realidade das escolas públicas estaduais, estarmos longe do modelo da gestão baseada na escola, porém algumas destas características podem ser atingidas com a participação do conselho de escola, enquanto esfera deliberativa, bem como na construção coletiva do projeto político-pedagógico da escola. Claro fica que, para maior autonomia, a pressão da sociedade civil organizada será necessária para a descentralização.
Segundo Villela (1997:56), a descentralização organizacional em educação apresenta importantes consequências, a saber: flexibilidade, “accountability”, produtividade e mudança.
E continua
“uma gestão baseada na escola na forma de descentralização política, proposta por Garms, Guthrie e Pierce (1978) e apontada por Santos Filho e Carvalho (1993), é a criação de um conselho deliberativo cuja composição desejável seria ter metade dos membros eleitos entre pais, alunos e cidadão e a outra metade eleita ou selecionada entre o pessoal da escola”(p. 57).
Não pretendemos neste trabalho enfocar a composição do Conselho de Escola, porém entendemos que a proposta acima expressa necessitaria para se efetivar de que a sociedade civil tivesse maior consciência da necessidade da participação.
Vários fatores restringem a potencialidade da gestão baseada na escola, dentre eles: “os sistemas delegam autoridade formal de participação, mas negam as condições de participação (tempo, fontes independentes de informação, apoio logístico); frustração, pelas limitações dos recursos financeiros; tendência dos participantes locais mais a aderir às determinações superiores do que aprimorá-las”(Villela, 1997:58).
Segundo Abranches, “a LDB aponta, mas não sustenta, o princípio da gestão democrática” (2003: 41).
Continuando esse raciocínio, Abranches aponta que
“no discurso estatal, a democracia é entendida como um regime político eficaz, baseado na ideia de cidadania organizada em partidos, na rotatividade de governantes e nas soluções técnicas (e não políticas) para os problemas sociais. A democracia e a participação estão colocadas em um jogo ideológico, que tem como função negar a diferença, ocultar questões políticas e oferecer uma imagem ilusória da comunidade com referência no Estado. Mais uma vez, a democracia é formal, e não concreta; e a ideologia se põe a serviço da dominação social e política dos indivíduos, caracterizando a democracia como algo que se realiza na esfera do Estado. Mas a prática democrática tem uma verdade mais profunda que a ideologia democrática. Os direitos sociais e o direito à participação são o cerne da democracia. As ideias de igualdade e liberdade vão além de sua regulamentação jurídica e significam que os cidadãos são sujeitos de direitos. O conflito também é legítimo e legal e as desigualdades e as oposições devem ser respeitadas, pois a comunidade não está a serviço do consenso; ao contrário, está dividida e esta\s divisões devem ser expressas publicamente.
Especificamente nas experiências participativas, como os órgãos colegiados, não podemos deixar de detectar as implicações ideológicas do juízo de participação. Estas, muitas vezes, parecem incentivar as transferências de atribuições que são de competência do Estado, para comunidade e os setores privados, e entregar à comunidade as tarefas burocráticas do processo, mais do que incentivar a participação política é a consolidação de uma autonomia plena para as unidades escolares.
Embora não possamos deixar de reconhecer que o envolvimento proporcionado pelos colegiados não esteja fora dessa perspectiva ideológica, acreditamos que a participação não esgota suas possibilidades nessa dimensão. Não está condicionada pelas estruturas nas quais está inserida, pois carrega uma potencialidade que pode ser efetivada pelos sujeitos. É nesse sentido que, mesmo cientes do revestimento ideológico que os processos de democratização possam apresentar estamos buscando demonstrar que ainda propiciam um aprendizado político para os membros da comunidade, que pode servir para compreender e enfrentar essa situação”.
Notas:
[1] A este respeito, vide p. .
[2] Cf. Offe, 1990.
[3] Cf. Bruno, 2001, p. 43-44.
[4] A respeito do Projeto Político-Pedagógico, há maior detalhamento nas páginas .
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