O poder não pertence a alguém, ele é exercido por alguém. Desta forma, alguém permite que outro o exerça. A submissão e a legitimação da submissão são construções históricas. A legitimação é construída pelo discurso científico, como verdade. A prática discursiva coloca em circulação as regras sociais.
O poder é uma rede, uma teia, que circula e perpassa também o corpo. Ou ainda:
Este investimento político do corpo está ligado, segundo relações complexas e recíprocas, à sua utilização econômica; é, numa boa proporção, como força de produção que o corpo é investido por relações de poder ou dominação [...] o corpo só se torna força útil se é ao mesmo tempo corpo produtivo e corpo submisso (FOUCAULT, 1996, p. 28).
O poder é sempre relacional, fruto das relações históricas. Na sociedade moderna, ocidental, a verdade não é externa ao poder. A verdade está no cerne das relações de poder. Não existe separação entre discurso, verdade e exercício de poder. A verdade é histórica, inserida num contexto social, político, econômico que atesta ou não os enunciados como verdadeiros.
Para que o poder se exerça, ocorrem procedimentos de sujeição e dominação.
Conforme refere Foucault, o Estado não é o único local de poder, sendo este fruto de relações históricas. O poder ocorre nas práticas sociais e culturais.
O poder deve ser analisado em suas capilaridades, extremidades e ramificações. O poder deve ser analisado em sua intenção, nas práticas reais e efetivas, em que se relaciona com seu objeto (alvo).
O poder atravessa as relações entre dominantes e dominados, em correlações de forças múltiplas e é exercido a partir de pontos e em meio a relações, numa rede que perpassa os diferentes níveis sociais e hierárquicos.
As relações de poder não são exteriores a outras relações; são intencionais e não subjetivas; sempre têm um alvo.
De tal forma, a implementação de dispositivos legais, por exemplo, estabelece uma rede de relações de poder, de cima para baixo e de baixo para cima. Ou seja, embora haja ordenamentos legais, estes se darão num fluxo em direção à base e vice-versa, podendo ser contestados ou ainda, mal aplicados, como ocorre com certos dispositivos legais, que embora legislem sobre certas questões, não se materializam em sala de aula.
Não há poder sem resistência. A resistência ao poder está dentro das relações entre sujeitos históricos. Tal resistência poderá facilitar ou dificultar a materialização de normas legais ou políticas educacionais, pois a base as interpretará ou as aplicará na forma que contemple as concepções de mundo ou seu interesse de classe.
Conforme refere Foucault (2000, p. 241) “[...] a partir do momento em que há uma relação de poder, há uma possibilidade de resistência. Jamais somos aprisionados pelo poder: podemos sempre modificar sua dominação em condições determinadas e segundo uma estratégia precisa”.
Sendo o poder não hegemônico, movimenta-se em brechas.
Nessas brechas, o instituinte encontra possibilidades de alterar o instituído. Ou seja, é possível lutar contra as arbitrariedades das relações de força e transformar os vínculos, uma vez que a verdade é transitória, isto é, histórica.
É na crença de relações de poder exercidas entre sujeitos históricos, que pensamos a possibilidade de participação da sociedade civil nos processos decisórios, no exercício do poder que não se encontra somente no Estado, mas que pode ser exercido nas teias sociais.
A Educação pode então ser pensada como lugar de relações, formação de sujeitos e de transformações. Por meio do exercício do poder em rede/teia, a comunidade escolar poderá participar dos processos decisórios da escola, construindo redes que permitirão a democratização das relações de poder na escola e na sociedade.
Como possibilidade da democratização das relações de poder na escola e na sociedade, salientamos a atuação da sociedade civil na gestão democrática do ensino público, mediante a atuação do Conselho de Escola, atuando como instância decisória e influenciando nas políticas educacionais.
Como elucida Foucault (2000),
[...] a partir dos mecanismos infinitesimais que têm uma história, um caminho, técnicas e táticas e depois de examinar como estes mecanismos de poder foram e ainda são investidos, colonizados, utilizados, subjugados, transformados, deslocados, desdobrados, etc. por mecanismos cada vez mais gerais e por formas de dominação global (FOUCAULT, 2000, p. 184).
Já Gramsci busca no conflito, nas posições antagônicas, os fundamentos para explicar a ideologia, a qual define como “uma concepção de mundo que se manifesta [...] em todas as manifestações de vida individuais e coletivas” (apud RESENDE, 1996, p. 70). Mostra o homem como síntese das relações sociais. A forma como provê sua sobrevivência definirá a forma como ele existe, que, na sociedade capitalista, vai caracterizar a sociedade dividida em classes.
Em consonância com Gramsci, o trabalho escolar deve estimular o aluno a ser dirigente, o que exige que as normas devem ser estabelecidas pela própria coletividade.
A solução dos problemas deve ser buscada dentro da própria realidade, compreendendo-a em sua pluralidade: um processo em que a comunidade busque o autoconhecimento e conheça também a realidade que influi em seu contexto.
Referências Bibliográficas
FOUCAULT, Michael. História da Sexualidade 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1977.4 v.
______. A Arqueologia do Saber. 4. ed. RJ: Forense Universitária, 1995. 239 p. (Coleção Campo teórico).
______. Vigiar e Punir. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. 277 p.
______. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). SP: Martins Fontes, 1999. 382 p. (Coleção tópicos).
______. Microfísica do Poder. 15.ed. RJ: Graal, 2000. XXV, 296 p.
RESENDE, Lúcia M. G. de. Paradigma - relações de poder - projeto político-pedagógico: dimensões indissociáveis do fazer educativo. In. VEIGA, Ilma Passos A. (Org.) Projeto Político-Pedagógico da Escola:Uma Construção Possível. 2.ed. Campinas: Papirus, 1996. p.53-94. 192 p.
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