
Por Maria Ângela Paié Rodella Innocente[1]
No contexto neoliberal, a definição de qualidade não tem o mesmo sentido daquele da tradição democrática, vinculada ao combate às desigualdades, à dominação e submissão, mas se articula a justificar e atender os objetivos do capital.
Nesse sentido, a avaliação do sistema educacional cumpre uma função ideológica, embasada numa racionalidade econômica, numa lógica de competitividade, educação de resultados, competências, orientando as políticas públicas para a educação, sem respeitar as diferentes especificidades em que ocorre a avaliação.
No entanto, os financiamentos internacionais não atendem à totalidade da demanda, cabendo aos atores locais também responsabilidade pelas políticas, que podem utilizar tais financiamentos para se isentarem de sua parcela de responsabilidade pelas políticas adotadas (AFONSO, 2001).
Em tal contexto, há pressão para especificar e controlar tanto o ensino como os currículos, sobretudo no que se refere à eficiência, à eficácia dos custos e à responsabilidade, visando racionalizar e controlar o ato de ensinar, o conteúdo e a avaliação do currículo.
Dessa forma, muda-se o padrão da avaliação aplicada pelos governos sobre os sistemas educacionais. Os governos e os mercados passam a exigir a eficiência na produção de perfis que atendam ao capitalismo (habilidades e competências), substituindo os princípios democráticos e pluralistas anteriores.
A avaliação assume como característica principal a accountability, ou seja, valorar de forma tecnocrática e exigir o cumprimento de obrigações. A prestação de contas passa a não se dar à sociedade como um todo, mas pela exigência em obter determinados resultados por meios eficientes. Prestam-se, então, contas aos governos e aos clientes, numa cultura gerencialista e fiscalizadora. Colocam-se as escolas dentro da economia de mercado, gerando um quase-mercado educacional. A avaliação como responsabilização pressupõe tornar os dirigentes dos sistemas e os demais profissionais que nele atuam, responsáveis pelo desempenho dos alunos, visando mobilizar na busca da melhoria da qualidade de ensino. A avaliação busca responsabilizar cada parte, numa tomada de decisão compartilhada e responsabilizada, pela detecção de onde está o problema. Alguns defensores dessa modalidade de avaliação postulam que a avaliação da eficiência melhora rapidamente a qualidade de ensino. As críticas recaem na pressão demasiada sobre os segmentos envolvidos no processo de ensino.
Estabelecem-se padrões nacionais, exames nacionais e classificações, para informar aos clientes e aos governos.
Muitos governos criam agências para avaliar seus sistemas nacionais de educação, como Inglaterra, Estados Unidos, França e Alemanha.
No entanto, organismos transnacionais, como o BM (Banco Mundial) e a OCDE (Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico), também impõem modelos de avaliação. Por exemplo, a necessidade de avaliar ex-ante a liberação ou não de recursos aos programas, além de apreciação intermediária, para continuação e algumas intervenções, se necessário. Ocorrem a modernização e a privatização, também ditas por muitos como autonomia ou liberalização dos processos, controlando os resultados por meio da avaliação. Nessa ótica, a ideia de avaliação é a medida da eficiência, relacionando custos e rendimentos, privilegiando resultados de forma a permitir comparações.
Os dois organismos transnacionais que mais intervêm em educação, a partir de meados do século XX, são o BM e a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), em cujos documentos evidencia-se uma Agenda Mundialmente Estruturada para a Educação (DALE, 2000).
O BM tem grande intervenção nas políticas educacionais na América Latina, devido aos empréstimos concedidos, facilitando-lhe a participação na implementação do processo de reestruturação neoliberal. Os empréstimos concedidos pelo BM, com a exigência de contrapartida, são investidos em diferentes setores, conforme a gestão da época e as condições econômicas dos países devedores. Quanto maior o endividamento, mais vulneráveis ficam os países, podendo o BM impor condições para as reformas estruturais, visando atender ao capital mundial em processo de globalização.
Na ótica eficientista, qualidade corresponde à racionalização e otimização dos processos, o que levaria à diminuição de gastos e aumento da quantidade de produtos.
Tendo a avaliação um sentido de poder, torna-se central nas intervenções sociais e nas reformas de Estado, ou seja, nas mudanças estruturais e nas transformações na produção. Os Estados modernos encaram a avaliação como instrumento técnico e político que legitima as transformações. Tal concepção é perpassada pela ideia de competitividade do país no cenário internacional e da eficácia e eficiência na economia.
Nessa conformidade, a avaliação confere credibilidade e legalidade às medidas de caráter administrativo e político. Assume sua existência como controle, ou seja, verificação da legalidade, regularidade e até mesmo da estigmatização pública, embasando-se na autoridade legal e técnica.
Nesse contexto, as instituições educativas, aderindo a essa ideologia, são feridas em princípios como a autonomia e “a sua materialização na democracia representativa e colegial” (DIAS SOBRINHO, 2002, p. 41).
Assim, segundo o mesmo autor, elimina-se a avaliação como processo participativo e que alimenta as tomadas de decisão coletivamente discutidas, fazendo com que apenas afira a utilidade das instituições e do sistema, visando à diminuição das despesas do Estado.
O Estado avaliador tem como uma de suas características a ênfase na desregulação e na autonomia institucional, e no desenvolvimento de um corpo regulatório condicionando a ação institucional. Ocorre uma oposição entre a regulação e a desregulação, uma reforma do Estado, que se caracteriza pela ruptura com os modelos tradicionais de intervenção do Estado na coordenação do sistema público de educação, formando-se um quase-mercado educacional, regulado em seus produtos pelos resultados da avaliação externa, e desregulado quanto à prestação de serviços educacionais (BARROSO, 2003).
Podemos discutir se o Estado avaliador não existiu sempre, dentro das regulações do Estado, ou se essa regulação, atualmente, seria definida por organismos transnacionais, como o Banco Mundial. Nessa hipótese, o Estado funcionaria numa lógica empresarial, com ênfase no produto. No entanto, a avaliação é necessária para definir a alocação de recursos e as políticas públicas a serem atendidas.
Os sistemas de avaliação permitiriam a seleção dos indivíduos e uma gestão produtivista do sistema educativo, possibilitando criar um mercado educacional. A avaliação permitiria obter informações sobre o sistema educativo, possibilitando fundamentar as escolhas dos consumidores da educação.
No entanto, o aumento da competição escolar, acompanhado da publicação dos resultados das avaliações, afetará a definição dos objetivos da escola e a disponibilidade de recursos para os alcançar, podendo fazer com que os alunos sejam percebidos como matéria-prima. Nessa perspectiva, as escolhas educacionais, pela competição entre escolas, poderiam tornar as escolas mais seletivas, selecionando como desejáveis os alunos de classes sociais mais favorecidas, a fim de melhorar o desempenho da escola e o consequente recebimento de recursos, criando, sob a designação de diversidade, um “apartheid educacional” (AFONSO, 2001).
Corre-se ainda o risco de, ao atrelar os resultados ao recebimento de recursos e às promoções individuais, numa gestão de produtividade, prejudicar ainda mais aqueles sem infra-estrutura para atingir melhores resultados, pois receberiam menos recursos (meritocracia), ficando a situação cada vez pior. Nesse caso, para que tal não ocorresse, haveria necessidade de desvincular os resultados das premiações meritórias, em que os melhores recebem mais recursos. Cumpre ainda questionar como é tomada a decisão para classificar os melhores. Uma sugestão para alterar a situação seria a avaliação ser feita pelos pares, que vivenciam os mesmos problemas e, portanto, podem se aprofundar neles.
Nas discussões sobre qualidade e eficácia da escola pública, há o risco de secundarizar a prática democrática como condição para a qualidade de ensino, pois a proposta de adoção de novos padrões de gestão envolve um conceito de produtividade, de enfoque nos resultados (e não no processo) de aprendizagem, transferindo à sociedade a responsabilidade sobre os equipamentos públicos e à escola, sobre os resultados. No entanto, o nível decisório e avaliador continua na esfera central. O discurso substitui descentralização e participação por descentralização e produtividade, ou gestão de resultados.
Assim o Estado, em nível central, não presta diretamente o serviço educativo, mas define as metas que devem ser alcançadas, intervém seletivamente para seu cumprimento e avalia os resultados obtidos.
Nesse contexto, o Estado central se desresponsabiliza pela administração do serviço e por garantir um mínimo de educação de qualidade para todos os cidadãos, tornando-se um Estado somente regulador.
A OCDE, de objetivos fundamentalmente econômicos, mostra-se interessada pelas questões de formação de mão-de-obra qualificada, emprego e relações entre emprego e desenvolvimento. Tem elaborado indicadores internacionais comparando o desempenho dos países membros, definindo cinco eixos como prioritários: os fluxos dos alunos no sistema; os resultados dos alunos; os estabelecimentos e seu entorno; os custos do ensino; as expectativas e atitudes em relação à educação.
Para a OCDE, a avaliação é importante, pois oferece informações sobre a eficácia, a eficiência e as performances das políticas públicas, visto que interessa identificar os recursos e custos, produzindo comparações. Dessa forma, as avaliações objetivam melhorar a tomada de decisões, a destinação de recursos e a prestação de contas. Assim, a avaliação “aparece como responsabilidade contábil, medida de educação eficiente e de competitividade no mercado mundial” (DIAS SOBRINHO, 2002, p. 38).
No âmbito de intervenção social, a avaliação tem grande protagonismo, ultrapassa a escola e a educação, situa-se como instrumento fundamental das transformações estruturais e de produção, num contexto de reforma do Estado.
Conforme elucida Dias Sobrinho (2002),
os Estados modernos não passam sem múltiplas avaliações dos seus setores, por entender que elas são instrumentos técnicos e políticos que fundamentam e legitimam as transformações que buscam operar tanto na produção quanto na administração pública. A ideia de competitividade do país no cenário internacional, da modernização do Estado e da eficácia e eficiência na gestão dá o sentido geral dessas avaliações [...] a avaliação é matéria de Estado e se aloja no núcleo do poder central (DIAS SOBRINHO, 2002, p. 39).
A educação é, então, enfocada tanto como direito do cidadão e condição para sua participação política e social, quanto como condição para o desenvolvimento econômico e para inserção do Brasil no grupo dos países desenvolvidos. Nessa vertente, verifica-se uma lógica de gestão pautada pelo controle dos produtos e resultados educacionais.
[1] Mais discussões e bibliografia completa podem ser encontradas no livro da autora “Participação e avaliação: Relações e Possibilidades – Uma análise sobre a atuação do Conselho de Escola no Projeto Pedagógico e a Avaliação de Sistemas” (2011). Ou no texto da dissertação de mestrado disponível na barra lateral do blog.