Tião morreu de amor pela Terra e pela humanidade
Tião da Lelinha morreu de leucemia, por consequências das várias malárias que pegou nos países que trabalhou, principalmente, na África. Ele sofreu, durante anos e anos, as dores e incômodos que a sua vocação e determinação pela crença na humanidade lhe provocou.
Esta simbologia não é por acaso.
Tião foi um obcecado pela esperança na humanidade. A fotografia era um instrumento de proximidade que ele adotou das maiores causas: a defesa do planeta, o horror das guerras, a preservação do meio ambiente. Ele não pensava, agia. O Instituto Terra, seu maior legado, foi isso – pegou uma terra devastada e reflorestou. A Amazonia, mesma coisa: penetrou na floresta para mostrar que a vida dos indígenas tinha que ser cuidada da mesma forma que a própria natureza. Mas também fez um trabalho lindo em plantações de café pelo mundo afora.
Ao mesmo tempo, era o menino de Aimorés. Só fotografava cantando as cantigas que ouviu quando criança. E passou a vida cantando. Tenho dezenas de áudio que ele me mandava, guardados. Sua voz grave e afinada, em português perfeito – e mineiro. Mais incrível é que as músicas que ele cantava eram as mesmas da infância, em um vilarejo perto de Aimorés sem luz elétrica. Ele as ouvia aos domingos, quando os caminhoneiros chegavam e ligavam o rádio nas baterias.
Mas não tenho intenção de fazer biografia e nem falar o quanto era bom fotógrafo. Escrevo para apaziguar a dor de perder um amigo inigualável. Sincero, bruto, forte. Amável, cordial, bonito.
De fala represada e barítona, Tião sabia se impor pela força do argumento e pela leveza das imagens que desenhava com a voz. Atento aos substantivos da vida, não era de perder tempo com mesuras. Dizia o que tinha que ser dito, sem medir consequências. E poucas vezes errava.
Era um leitor contumaz. Casa cheia de livros, espalhados, sua cadeira de leitura, na sala tinha pilhas ao lado. Cansou de dizer, em entrevistas e palestras, da importância da leitura na sua vida e a sua capacidade de expansão de conhecimento. E era um leitor muito criterioso e crítico.
Mas era o amor o seu maior predicado. O amor que tinha pela Lelinha, pelo Rodrigo e pelo Juliano. Pela família e pelos amigos. O seu amor pela Lelinha era coisa de tingir o coração de alma. Alma não tem cor, alma não tem cheiro. Mas o amor do Tião pela Lelinha tinha alma, cheiro, coração, uma constelação de bondades e brincadeiras. Sim, Tião da Lelinha era super brincalhão, na intimidade. E se transformava no menino de Aimorés quando falava da sua mulher. Eu tive a felicidade de testemunhar este amor e trazê-lo para a minha vida, como algo a ser alcançado, imitado, um exemplo. E tenho feito isso.
Arrisco a dizer: Tião foi talhado no amor da Lelinha. Ali ele encontrou forças para enfrentar as mazelas da humanidade e as belezas da natureza. Porque Tião mostrou para o mundo o feio e o bonito. A guerra e a a nuvem. O céu e o vulcão. Mostrou a morte, a destruição. Mas também mostrou a vida e a beleza mais profunda que a íris pode ver. E morreu contaminado por ela. Morreu contaminado por um protozoário transmitido por um mosquito, que transmite a malária. O que isso quer dizer? Quer dizer que até na morte Tião mandou um recado: onde está a vacina da malária? Interessa ao Ocidente gastar milhões de dólares para desenvolver uma vacina para uma doença predominante no continente africano? Aí voltamos ao início: Tião morreu de amor pela humanidade.
E como nunca saiu de Aimorés, suas cinzas voltarão para lá, para sua obra mais bonita: o Instituto Terra, sob o olhar carinhoso de Lelinha, seu amor.
Afonso Borges
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