Maria Ângela Paié Rodella Innocente[1]
Sobre referencial teórico-metodológico, embasado em Ezpeleta & Rockwell (1989) apresentamos uma rápida abordagem conceitual. O referencial teórico-metodológico proposto para a pesquisa trata a realidade escolar como o centro da pesquisa, estudando-a em sua realidade concreta, imersa na sociedade. Assim a escola não é a mesma em todo mundo capitalista, ou seja, há diferentes movimentos sociais em contextos diversos.
A história documentada da escola é geralmente escrita a partir do poder estatal, servindo para inculcar valores, mas também realizar direitos civis e de justiça social (versão positivista) ou reproduzir a ideologia dominante e das relações sociais de produção (versão crítica). No entanto, com a história documentada coexiste a não documentada, por meio da qual a escola constrói sua existência.
Nessa história não documentada as determinações estatais e civis se entrecruzam de forma a que seus usuários se apropriem das prescrições estatais e construam a escola. A versão documentada torna-se, então, parcial ocultando, de certa forma, o movimento real. A realidade escolar completa exige que se enxerguem o ideológico, o pedagógico, mas também o político que a compõem. Assim, pretendemos “analisar a existência cotidiana atual da escola como história acumulada e buscar, no presente, os elementos estatais e civis com os quais a escola se construiu” (EZPELETA & ROCKWELL, 1989, p. 13). Portanto, não se trata de analisar o cotidiano como situação ou exemplo, mas na unicidade da realidade em estudo. Busca-se então, a presença estatal e civil na realidade cotidiana, em que a escola ganha sentido de acordo com a conjuntura local ou nacional. Não se trata de empirismo ou historicismo, mas de incorporar o cognoscível à reflexão teórica, de observar a realidade não-documentada, em que a construção como processo, bem como produto, estão unidas. Na observação do cotidiano escolar entram os valores do pesquisador, uma vez que algumas coisas chamarão mais sua atenção. No entanto, depara-se também com situações sem relação com suas expectativas. Faz-se necessário um permanente trabalho de análise de registros, de análise e síntese entre os dados. As pistas abrem novos encadeamentos para conduzir à trama que compõe a escola, a ser reconstruída pelo pesquisador. A instituição escola é ressignificada, constroem-se novos referenciais para entender seu cotidiano.
Em geral, os conceitos clássicos sobre a escola enfatizam os fins, os objetivos e a hierarquia, atendendo à legalidade e à normalização regulamentar. Porém, apenas a partir dessas categorias não se consegue abranger a vida escolar, como um todo. O conteúdo histórico presente em seu contexto é também constitutivo da escola. Nessa trama construída cotidianamente a escola limita o poder decisório do Estado com relação à sua realidade. Assim, “o Estado, presente através de formas – como as políticas – que não proclama em seu discurso, e ausente depois naquelas situações – como no ensino – nas quais afirma unidade e controle, aparece e se oculta na escola [...]” (EZPELETA & ROCKWELL, 1989, p. 20). O Estado, equilibrando custo social e político, oferece educação básica à população escolarizável. Para isso, mantém os professores como assalariados, financia em parte as instalações escolares, adota textos de forma gratuita, fornece certificados, sem grande controle de qualidade, garantindo uma matriz comum às escolas da rede. Porém, também em diferentes regiões adapta a educação ao meio, relativizando sua própria obrigação legal de prover educação básica, laica, universal e gratuita. Numa visão a partir da escola
[...] abre-se uma rede de caminhos burocráticos, com seus pontos de ameaça ou coerção, através dos quais professores e pais têm que transitar para poder assegurar a continuidade e a própria vida da escola. Filtrada através de tudo isso, encontra-se como constante implícita a presença política do estado na escola (EZPELETA & ROCKWELL, 1989, p. 20).
Nessa perspectiva de pesquisa, procura-se abordar o outro, que também constitui a escola, ou seja, o que o Estado costuma qualificar como desvio das normas. O cotidiano se distingue do não-cotidiano (identificado com a História) pelo plano da realidade concreta, isto é, o que é cotidiano para uma pessoa, nem sempre é para outras. Nesse sentido, a realidade escolar não é idêntica à experiência direta dos sujeitos, pois sua reconstrução requer diversos níveis de análise. Porém pretendemos conhecer a realidade escolar, não em perspectivas individuais, mas na ação que os sujeitos empreendem nessa realidade. Esse cotidiano se reflete no Conselho de Escola, nas percepções dos diversos membros que compõem os segmentos, cuja vivência e percepções ali se refletem, nas relações entre os representantes e os representados, entre os profissionais da educação e os usuários da escola pública, nas discussões e nas ações empreendidas, embora limitadas por suas condições de vida, pelas normais legais e pelo poder do Estado.
Assim, alguns sujeitos ganham importância, como aqueles que consideramos representantes dos segmentos da comunidade escolar, no Conselho de Escola. Nesse sentido, sujeito é o sujeito social, isto é, um sujeito que importa pelo seu caráter histórico e específico nas relações, em que integram práticas e saberes que provêm de outros âmbitos com o escolar.
A atribuição de vida cotidiana à escola não se dá por meio da concepção oficial da escola – instituição, mas por aquilo que pode ser constitutivo histórico de sua realidade cotidiana, de forma que “a realidade cotidiana escolar aparece sempre mediada pela atividade cotidiana, pela apropriação, elaboração, refuncionalização ou repulsa que os sujeitos individuais levam a cabo” (EZPELETA & ROCKWELL, 1989, p. 25). Esse conceito de vida cotidiana conserva a heterogeneidade da escola, suas divergências, saberes e práticas contraditórias, produto de uma construção histórica, em que o conjunto de atividades cotidianas não é arbitrário, mas em que as atividades individuais contribuem para processos de produção e reprodução social, ou seja, de sustentação ou resistência da conformação da escola ao Estado.
EZPELETA, Justa; ROCKWELL, Elsie. Pesquisa Participante. 2. ed. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1989. 93 p.
[1] Mais discussões e bibliografia completa podem ser encontradas no livro da autora “Participação e avaliação: Relações e Possibilidades – Uma análise sobre a atuação do Conselho de Escola no Projeto Pedagógico e a Avaliação de Sistemas” (2011).
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