Num processo de discussão com a sociedade civil, o plano Decenal de Educação traz “uma proposta de relações mais abertas e transparentes nos espaços públicos, a partir de uma sociedade mais democrática e que considere a diversidade étnica e cultural do país como um fator latente, e que, certamente, influencia nas exigências educacionais dos diferentes grupos e setores sociais” (ABRANCHES, 2003, p. 35).
Nos dizeres de Abranches (2003, p. 09),
estamos considerando a participação como um exercício democrático, por meio do qual aprendemos a eleger o poder, fiscalizar, desburocratizar e dividir responsabilidade, e que os vários canais dessa participação convergem para elaborar condições favoráveis de surgimento dos cidadãos e suas formas de organização.Ainda conforme Abranches (2003, p.13),
é preciso considerar que o termo descentralização está sempre carregado de conotações positivas, mas, como todo instrumento de ação governamental, não possui qualidades exclusivamente precisas [...]; se de um lado pode representar um mecanismo de participação que permite o retorno do poder à sociedade civil, por outro, pode caracterizar-se como uma forma de reforçar o aparelho de dominação, encobrindo uma relação autoritária.A discussão em torno da descentralização a coloca em contato com vários outros conceitos – democracia, autonomia, participação (plano político), desconcentração, prefeiturização, municipalização (plano administrativo).
Cabe uma reflexão sobre a descentralização como estratagema estimulado pelas políticas neoliberais, amparadas pelo discurso da modernização, visando diminuir a ação estatal na área do bem-estar social, a fim de reduzir despesas.
Segundo Stein (1997 apud ABRANCHES, 2003, p.14) a intenção do processo de descentralização é “neutralizar as demandas sociais, desconcentrando os conflitos e envolvendo a população na busca de soluções para seus próprios problemas”.
Segundo Campos (1997 apud ABRANCHES, 2003, p. 22), “a viabilização de um ordenamento político/institucional/democrático está diretamente associada à participação da sociedade civil no processo de concepção e gestão das políticas públicas”.
Em decorrência disso, segundo Gohn (1990, apud ABRANCHES, 2003, p. 22), “a nova estrutura de poder irá colocar em crise as atuais políticas públicas, suas propriedades, seus mecanismos de elaboração e de controle. Uma nova estrutura estatal poderá surgir dos conselhos, articulando a democracia representativa e a democracia direta”.
Para Arendt (apud ABRANCHES, 2003, p. 25) é importante o resgate do espaço político e a inserção dos indivíduos no espaço público, o que pode auxiliar na compreensão da dinâmica da participação, pois proporcionam uma democracia participativa.
Segundo Abranches, “a LDB aponta, mas não sustenta, o princípio da gestão democrática” (2003, p. 41).
Continuando esse raciocínio, Abranches aponta que
no discurso estatal, a democracia é entendida como um regime político eficaz, baseado na ideia de cidadania organizada em partidos, na rotatividade de governantes e nas soluções técnicas (e não políticas) para os problemas sociais. A democracia e a participação estão colocadas em um jogo ideológico, que tem como função negar a diferença, ocultar questões políticas e oferecer uma imagem ilusória da comunidade com referência no Estado. Mais uma vez, a democracia é formal, e não concreta; e a ideologia se põe a serviço da dominação social e política dos indivíduos, caracterizando a democracia como algo que se realiza na esfera do Estado. Mas a prática democrática tem uma verdade mais profunda que a ideologia democrática. Os direitos sociais e o direito à participação são o cerne da democracia. As ideias de igualdade e liberdade vão além de sua regulamentação jurídica e significam que os cidadãos são sujeitos de direitos. O conflito também é legítimo e legal e as desigualdades e as oposições devem ser respeitadas, pois a comunidade não está a serviço do consenso; ao contrário, está dividida e esta\s divisões devem ser expressas publicamente.
Especificamente nas experiências participativas, como os órgãos colegiados, não podemos deixar de detectar as implicações ideológicas do juízo de participação. Estas, muitas vezes, parecem incentivar as transferências de atribuições que são de competência do Estado, para comunidade e os setores privados, e entregar à comunidade as tarefas burocráticas do processo, mais do que incentivar a participação política é a consolidação de uma autonomia plena para as unidades escolares.A autora ainda indica (2003, p. 54),
Embora não possamos deixar de reconhecer que o envolvimento proporcionado pelos colegiados não esteja fora dessa perspectiva ideológica, acreditamos que a participação não esgota suas possibilidades nessa dimensão. Não está condicionada pelas estruturas nas quais está inserida, pois carrega uma potencialidade que pode ser efetivada pelos sujeitos. É nesse sentido que, mesmo cientes do revestimento ideológico que os processos de democratização possam apresentar estamos buscando demonstrar que ainda propiciam um aprendizado político para os membros da comunidade, que pode servir para compreender e enfrentar essa situação.
As reformas do Estado parecem incluir, no caso da educação, ingredientes de ‘reorganização dos sistemas’, representando, com esse processo, o objetivo de dar mais autonomia e fortalecer a escola. A participação da comunidade nesse novo modelo institucional seria cada vez mais valorizada, já que se delegariam às escolas maior poder de decisão e um papel deliberativo para os colegiados escolares na gestão da escola [...] os órgãos colegiados têm possibilitado a implementação de novas formas de gestão por meio de um modelo de administração coletiva, em que todos participam dos processos decisórios e do acompanhamento, execução e avaliação das ações nas unidades escolares, envolvendo as questões administrativas, financeiras e pedagógicas, não se trata de co-gestão. O diretor ainda é autoridade responsável pela escola e tem o apoio do colegiado nas decisões essenciais das atividades e projetos da unidade escolar, em seus vários níveis.Segundo Abranches (2003, p. 78),
Em uma estrutura participativa como o colegiado, todos os seus integrantes têm condições de se envolver e de assumir uma postura de compromisso com a transformação da escola. As pessoas aí inseridas podem visualizar e ter consciência de que poderão dar e oferecer a sua parcela de contribuição.E continua
“A vida social é, inevitavelmente, uma vida no conflito, e este confronto e a busca pelo consenso podem implicar mudanças de concepções dos indivíduos, em novas experiências e construção de um espírito coletivo ao longo do processo” (p. 71).Esta autora entende que
“as políticas sociais são cada vez menos responsabilidade do Estado – encontram soluções na solidariedade dos indivíduos e nas atitudes cooperativas que caracterizam uma responsabilidade de todos por todos e, portanto, requerem a instalação de movimentos mais participativos na sociedade” (p. 74).Para Arendt (apud ABRANCHES, 2003, p. 88),
“o alcance da cidadania está diretamente relacionado ao produto final da participação e da ação política, e isso implica a vivência da liberdade entre os homens”.
“Trata-se de reformular um novo projeto político que sobreponha a democracia representativa e alcance uma democracia participativa” (ABRANCHES, 2003, p. 100).ABRANCHES, Mônica. Colegiado Escolar: Espaço de participação da comunidade. São Paulo: Cortez, 2003. 110 p. (Questões da Nossa Época 102)
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