Maria Ângela Paié Rodella Innocente[1]
Sendo a participação e a avaliação discutidas enquanto políticas públicas, abordamos aqui a implementação de políticas públicas e seus condicionantes.
Entendendo a existência do Conselho de Escola como uma política pública de democratização da gestão da escola pública e, por conseguinte, das relações de poder na escola, discutimos como se dá a implementação de uma política pública, visto que somente a garantia legal não é condição suficiente para sua materialização. Para tal discussão nos baseamos em Sabatier & Mazmanian (1996).
Diversos fatores condicionam o desempenho das políticas, quais sejam: os critérios que regem as políticas e os recursos; o apoio que existe no ambiente político acerca das políticas; as condições econômicas e sociais; as características das agências encarregadas da implementação; a comunicação dos padrões das políticas e outras decisões entre as agências encarregadas da implementação; os incentivos para promover a aceitação das decisões políticas; as decisões dos funcionários responsáveis pela implementação.
No entanto, embora tais fatores ofereçam uma boa visão geral do desenvolvimento das políticas, outros fatores devem ser considerados: a vinculação entre o comportamento individual e o contexto político, econômico e legal da ação; a capacidade que pode ter uma lei para estruturar o processo de implementação; a tractability dos problemas aos que se dirige uma política pública; os marcos de análise que se aplicam aos programas que pretendem distribuir bens e prestar serviços, os quais não são, em geral, variáveis operativas.
A implementação de uma política é o cumprimento de uma decisão política básica. Começa com a aprovação da lei, depois passa pela produção de resultados (ou seja, de decisões) por parte das instâncias encarregadas da implementação, pelo acatamento dos grupos objetos dessas decisões, pelos impactos reais dos resultados – desejados ou não, pelos impactos percebidos nas decisões pelas instâncias e por revisões importantes, às quais se submete a lei.
Os fatores que condicionam alcançar os objetivos legais ao longo de todo o processo dividem-se em três categorias amplas: a tractability dos problemas a que se dirige o estatuto; a capacidade do estatuto para estruturar apropriadamente o processo de implementação; o efeito líquido das diversas variáveis políticas no apoio aos objetivos estatutários. Tais categorias são interdependentes, afetando-se mutuamente.
Em relação à tractability, agrupam-se diversos fatores. Há dificuldades no manejo das mudanças, o que supõe várias dificuldades para a consecução dos objetivos normativos. Qualquer programa implica custos para os contribuintes e para os grupos que atingem, portanto para justificá-los é necessário apresentar resultados ou diminuirá o apoio político ao programa. As discussões em torno da disponibilidade da tecnologia requerida produzem fortes pressões para que se ampliem os prazos para cumprir os objetivos normativos. Outros fatores são a porcentagem de população em uma jurisdição política cujo comportamento precisa ser modificado e o alcance das modificações no comportamento dos grupos atingidos, facilitados quando existe uma teoria válida que embase tal comportamento.
Quanto ao grau em que a lei estrutura coerentemente o processo de implementação, verifica-se que a lei tem também a capacidade de estruturar o processo total de implementação por meio da seleção das instituições responsáveis, pela influência que pode exercer sobre a orientação política dos funcionários e das dependências e finalmente mediante a regulação das oportunidades de participação que outorgue aos atores não pertencentes às agências (SABATIER & MAZMANIAN, 1996, p. 336).
Dentro dessa categoria, há vários fatores envolvidos. A pressão e hierarquização dos objetivos normativos que, se bem definidos auxiliam a avaliar o programa, funcionando como diretrizes precisas para os fundos encarregados da implementação e constituem um recurso para os partidários do estatuto. Assim, quanto mais precisas e claramente hierarquizadas se apresentem as instruções de uma lei, maior será a possibilidade das decisões políticas serem acatadas pelos grupos atingidos.
Outro fator se refere aos recursos financeiros disponíveis para a instância encarregada da implementação, ou seja, os recursos são fundamentais em qualquer programa; há sempre um mínimo de financiamento para possibilitar atingir os objetivos legais. Outro fator é o grau de integração hierárquica dentro e entre as instituições encarregadas da implementação, o que se torna especialmente grave no caso de leis federais que dependem de instâncias estaduais e locais para sua execução, com sistemas político-administrativos muito heterogêneos entre si. Desse modo, um dos atributos mais importantes de qualquer lei é conseguir integrar hierarquicamente as agências encarregadas da implementação. Caso contrário, haverá resistência à sua implementação. Outro fator se refere ao grau em que as normas de decisão das instâncias responsáveis prestam apoio aos objetivos normativos, o que pode ser facilitado se for requerido que para aprovar as ações seja necessária a aprovação da maioria. É o caso, por exemplo, do Conselho de Escola, cujas reuniões, para terem validade, devem contar com a presença da maioria de seus membros (50% mais um).
Deve-se considerar, também, a aceitação dos programas pelas agências e funcionários comprometidos com os objetivos legais. Como no caso do Conselho de Escola, cuja presidência nata é atribuída ao Diretor de Escola, o qual, em geral, é quem convoca as reuniões. No entanto, caso não seja de seu interesse, apenas cumprirá as quatro reuniões anuais obrigatórias, legalmente, pois dificilmente dois terços dos membros se reunirão para solicitar a ocorrência de reunião.
Muitas vezes, a lei estipula que os funcionários responsáveis de mais alto nível sejam eleitos entre aqueles setores sociais que tendam a favorecer os objetivos legais. Considera-se, ainda, o grau em que as oportunidades de participação outorgadas a atores externos favorecem os partidários da lei, ou seja, as leis com maiores probabilidades de alcançar seus objetivos são aquelas que promovem a participação dos cidadãos, podendo culminar em ordens que obriguem os funcionários a cumprir cabalmente as disposições legais.
Em resumo, uma lei cuidadosamente desenhada pode afetar o grau de cumprimento de seus objetivos. O que facilita sua implementação pode ser resumido como: ter objetivos precisos e claramente hierarquizados; incorporar uma teoria causal válida; oferecer um financiamento adequado às instâncias encarregadas de sua implementação; minimizar a possibilidade de veto no processo de implementação e estipular sanções e incentivos para superar as resistências; as regras de decisão favorecerem o cumprimento dos objetivos normativos; a implementação se articular às agências partidárias dos objetivos da legislação que concedam prioridade ao programa; as disposições sobre a participação de atores externos favorecerem o cumprimento dos objetivos mediante regulamentos flexíveis e concentração da supervisão em mãos dos promotores da lei. Em muitos casos, os estatutos não estruturam coerentemente o processo de implementação. O que nos parece, tanto no caso do Conselho de Escola, como nas avaliações de sistema, não ocorrer, pois o primeiro buscou atender a demandas de redemocratização da sociedade brasileira, ao final do regime militar, sem, contudo, programas de incentivo para sua materialização não se restringir ao plano formal, enquanto nas avaliações, manifesta-se a fragmentação entre os que pensam e os que executam, com aplicação de avaliações externas, em que o que será avaliado é decidido pelos níveis centrais, sem participação dos profissionais de educação ou da comunidade escolar, os quais, muitas vezes, tampouco têm acesso aos resultados de tais avaliações.
Há outras variáveis, não normativas, que condicionam a implementação. Embora uma lei estabeleça a estrutura legal básica na qual se desenrolam as políticas de implementação, esta, por sua vez tem um dinamismo próprio, impulsionado pela necessidade de apoio político que um programa deve receber constantemente para superar a inércia e a falta de cooperação e também, os efeitos que podem produzir mudanças sócio-econômicas e técnicas nas reservas de apoio público. Os resultados da implementação resultam da interação entre a estrutura legal e o processo político. Uma lei que receba poucas orientações institucionais deixa seus funcionários responsáveis à mercê das mudanças que acompanham o apoio político através do tempo nos distintos contextos locais. Tal enfoque nos remete a Conselhos de Escola apenas formais, bem como às especificidades de cada comunidade em que cada escola se insere, ou seja, sua “trama” real (EZPELETA & ROCKWELL, 1989).
Dentro das variáveis não normativas ainda encontramos: transformações das condições sociais, econômicas e tecnológicas que influem na realização dos objetivos normativos, o que pode, por exemplo, afetar a percepção da importância relativa do problema que enfrenta uma lei, como a seguridade social; nível e continuidade da atenção que os meios de comunicação prestam ao problema de uma lei – a mídia troca constantemente de foco, alterando a atenção da população para os programas pois, em geral os jornalistas não são especializados, e tal mudança modifica a opinião pública, o que é aproveitado por posições políticas particulares; mudanças nos recursos e atitudes dos grupos de cidadãos frente aos objetivos normativos e às decisões políticas das instituições responsáveis – o apoio público, em geral, declina com o tempo, e para mantê-lo é necessário promover uma organização viável que mantenha o apoio tanto dos funcionários responsáveis como das autoridades legislativas e executivas. Para conseguir o apoio permanente aos objetivos normativos por parte das autoridades das instituições encarregadas da implementação, dependerá da magnitude e da orientação da supervisão da qual se encarreguem as autoridades e do âmbito e possível incompatibilidade de novas normas legais, emitidas posteriormente à original. Outro fator é o compromisso e a qualidade de liderança dos funcionários responsáveis pela implementação da lei, o que reforça a importância da liderança do Diretor de Escola e a adesão de outros profissionais da educação que atuam na escola.
Podemos ainda discutir as etapas do processo de implementação. Tais etapas englobam: os produtos ou decisões das dependências encarregadas de sua implementação – envolvem a concordância com os objetivos normativos; o acatamento dessas decisões por parte dos grupos atingidos – atrela-se aos cálculos que fazem os indivíduos dos custos e benefícios relativos ao que produz, obedecer aos ordenamentos legais; os impactos efetivos das decisões das dependências – sua concordância com os objetivos normativos; os impactos percebidos em relação a essas decisões e a avaliação que o sistema político faz da legislação, seja em forma de revisões dos fundos de seu conteúdos ou das intenções de sua revisão. Passa pela concordância com os valores das elites políticas importantes. No entanto, a lei pode ser alterada pelos resultados de seus impactos. Essa questão deveria ser objeto de acurada análise nos anos seguintes à implementação da lei. Embora a SEE solicite constantemente informações do sistema utilizando as tecnologias de informação e comunicação, o que lhes confere mais agilidade, mas também mais controle, muitas delas são solicitadas sem que se saiba qual será sua utilização.
Com essa breve discussão a respeito da implementação das políticas públicas, seus facilitadores e dificultadores, com a intenção de melhorar o entendimento das políticas públicas/educacionais aqui discutidas, pretendemos ter suscitado um maior interesse pela gestão democrática na qual inserimos a participação, conceito fundamental da democracia.
[1] Mais discussões e bibliografia completa podem ser encontradas no livro da autora “Participação e avaliação: Relações e Possibilidades – Uma análise sobre a atuação do Conselho de Escola no Projeto Pedagógico e a Avaliação de Sistemas” (2011).
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24/05/2018
A IMPLEMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS – O CONSELHO DE ESCOLA COMO UMA POLÍTICA DE DEMOCRATIZAÇÃO DA GESTÃO ESCOLAR
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